29 de novembro de 2009

Morrer pouco


Melhor vista não há do que a do horizonte. Para o alto e avante, para frente e adiante. Sem nuvens para distorcer o porvir tão certeiro quanto misterioso. Quando faltam objetivos, não há além. Nem mistério, nem horizonte, nem qualquer coisa que se possa esperar. Igualmente triste é a certeza do futuro, que, de tão burra, é absurdamente tediosa. Saborear o desconhecido é divino quanto mais iluminado seja o caminho, quanto mais firmes sejam os passos. O Retorno de Saturno, para a astrologia, é quando realmente a vida passa a fazer sentido, e todo o drama antigo parece tolo e pequeno. De fato, amadurecer nada tem de chato, como parecia em tempos outros. Sentir, a cada dia, uma parte nova de plenitude em si é como preencher com um pouco mais de sentido o quebra-cabeça da existência. E, no meio dessa divisão de águas que chega com um número ímpar, mas tão doce na letra de Renato Russo, tão decisivo numa escala finda dos vinte e poucos anos, o que é realmente bom parece ficar mais perto. As bobagens ficam mais bobas; o paladar da alma, mais exigente. E é o gosto de vida que faz salivar. Conversávamos sobre a teoria de certo intelectual sobre morrer pouco. Para ele, quanto mais intensidade se imprime a vida, morre-se menos chegada a hora do túmulo. É como fôssemos nos realizando, transcendendo, ainda no corpo, tornando-nos tão leves que não seria sofrido sucumbir, findos os dias. Disse que sou dessas, de morrer pouco. Se é assim, de intensidade, verdade, calor, quero morrer menos a partir de então. Viver tanto que o caminhar vai ser doce, o envelhecer simples e o morrer pouco.

25 de outubro de 2009

É preciso paixão


Sagitário não tem jeito: pede chama. Daquelas com todo o ardor possível. Aquecer é a ordem; queimar talvez se torne a consequência. E daí? O elemento é fogo. E fogo é paixão. Não digo romance, turbulências emocionais entre duas (ou apenas uma) criaturas, mas o sentimento que instiga, que mexe e remexe, faz pulsar. E não é que a gente não viva sem ela. Mas paixão é fundamental quando se quer construir, agir, fluir, inflar. Quando se está acostumado a tal explosão, difícil é ser morno. Gosto de comida requentada, macarrão gelado e feijão azedo. Uma vez provado o churrasco, a brasa deve andar sempre acesa ou o paladar se anula a sabores vulgares. E nada mais triste do que se tornar insípido como água. Paixão para planejar, sonhar, fazer, pensar, acordar, trabalhar, produzir. Sem ela é só ser, estar, permanecer, continuar. Apaixonar-se pela vida é ver sentido em todos os lados e direções. E quem sempre teve precisa desse combustível. Falta carvão, acabou-se a festa. Mas há quem se contente com fumaça. E, pra bom entendedor, meia faísca basta.

14 de outubro de 2009

O passado mora ao lado




O passado mora ao lado...Ou seria o pecado? Passar é pecado ou pecar é o passado? Ora, mas, se passou, é porque já foi perdoado. E, se há perdão, tem futuro. Viver em penitência por ter deixado passar, de fato, deve ser pior do que cometer o pecado de revisitar o que já foi. E se vier de novo? Prepara-se para novos delitos, novos lamentos e mais perdões. Ninguém cansa de dizer amém sobre o passar dos erros, mas passar pelo mesmo martírio pode não ser exatamente o exorcismo de velhas dores. A solução seria, então, reviver o melhor de si em outrora, sem o mesmo medo de um futuro que já é. E dispensa legenda.

30 de setembro de 2009

Homens desinteressantes


Se fosse cena de filme provavelmente aconteceria num fim de tarde nublado, em Nova Iorque, biblioteca, com uma esbarrada daquelas em que se derrubam livros e papéis infinitos. Foi, todavia, no meio da escada do trabalho; ele subia, ela ensaiava descer. Diante do semblante cansado daquele senhor que ofegava, desistiu do caminho e ofereceu-lhe um copo d'água, gesto que, esforçando-se, agradeceu com um encantador: “é muita gentileza sua”. A mocinha o serviu com estranha satisfação, e quedou-se pensativa durante toda a tarde. Por que simples doçura de um senhor de 80 anos a surpreendera com tão intensa sensação de prazer? Mais tarde, refletindo em grupo, percebeu que o fato lhe pareceu distinto somente por ter fugido à regra de tratamento ofertado por parte da maioria dos homens que a ela se dirigiam ultimamente. Não que inexistissem rapazes e senhores educados; contudo, tanto eles teriam se esquecido da gentileza típica dos distintos homens antigos quanto as mulheres haveriam se acostumado com o moderno jeitinho inconveniente ou de pouca sensibilidade dos marmanjos. Depois da prosa, pensava, no caminho para casa, em como os homens tinham se tornado não só desajeitados, mas desinteressantes. E como era triste admitir o fato! Por outro lado, aliviava seu coração perceber a razão pela qual não tinha gana de se envolver com nenhum dos tantos que a cortejavam. Bonitos, espertos, carinhosos e até gentis; mas de longe pareciam com os antigos cheios de cortesia para com as moçoilas. É verdade que as conquistas da autonomia feminina contribuiram para o tratamento "como igual" dado às garotas, mas ser encarada como parceiro de cerveja nunca deixou qualquer mulher encantada, com face rubra, pelos arrepiados ou coração nervoso. Talvez fosse a saudade desses sintomas que a desestimulasse com os pretendentes. Respeito, gentileza e finesse estariam fora de moda. Mas nada tão antiquado quanto esperar que as mulheres se sensibilizem com o pouco esforço de los hombres. Descera da condução sem pressa. Observou as flores da praça que pouco percebia no roteiro casa-trabalho, achou graça das crianças que brincavam com os cães na vizinhança e sorriu. A culpa não era dos rapazes, mas dela. Daria menos importância aos que não a faziam parar como o senhor das escadas. Os degraus, certamente, a conduziriam a andares mais altos.

24 de setembro de 2009

Blasé


Você percebe que está chata não só porque seus olhos exalam tédio. Mas quando se vê ofertando respostas secas, grosseiras, burras ou mesmo crueis às criaturas. Como não tivesse a fazer o mínimo esforço para responder...sem se dar ao trabalho de maquinar. A boca mal se mexe, e o cérebro nem processa. Sobrancelhas altas e: bla. Cara de nojo e: bla. Olhar de abuso...argh. "Minha opinião sobre isso? Mulher é otária, não se preocupe. Quando tá apaixonada, fica idiotamente cega, embora os homens mereçam comportamente diferente". "Ficha na radiola de ficha é um real, como o preço dos homens. Em suma, homem é como radiola de ficha: você compra, desfruta, acaba e paga o mesmo por outras". "O que me incomoda em você? Relaxa, nada que fuja da sua natureza". Desconfie se as pessoas começarem a ter medo de falar com você. Sinal de que, antes dos 30, pode estar se transformando numa velha amarga tomando seu vinho, fumando charuto e ouvindo Piaf, de batom carmim borrado. Blasé.

16 de setembro de 2009

Quando eles fazem direitinho

Saudosa a figura do canalha clássico na fauna masculina moderna. Flores, gentilezas, "princesa" pra lá e pra cá. Você sabe que é mais uma das tantas que ele corteja, sabe das desculpas esfarrapadas, enrolações, fingimentos...mas, se o danado banca direitinho o papel de galã das 21h, tornamo-nos mas suscetíveis às névoas da paixão ou a outros desvios de conduta. O homem que sabe faz a hora, não espera acontecer. Bastam um motivo e uma noite para que conquiste a prenda exatamente do jeitinho que ela quer/espera. Algumas posturas, mesmo manjadas, são universais. Jogar-se na pista, por exemplo, funciona praticamente sempre. A velha Dança do Acasalamento, que o rapaz provavelmente nunca repetirá caso engatem um romance mais "sério". Falar de poesia, demonstrar intimidade - na medida certa - com assuntos femininos, amar os seus filhos, elogiar seu cabelo, pagar a conta e pegar de jeito. Eita, danou-se! Entre as risadas que você, mulher sábia e conhecedora das artimanhas típicas da espécie, dará aos montes, vale bancar a mocinha das 18h, piscar os olhinhos rápido, cheirar a flor e levantar o pé no beijo. O risco é cair com tudo no affair. O que deve ser menos perigoso do que passar a vida sem riscos e rabiscos dos adoráveis sedutores que tanto inspiram nosso mundinho fútil.

7 de setembro de 2009

Manual dos gigofuçus


Sueli, personagem da vida real já apresentada por estas bandas, amarga uma revolta. Por outro lado, gaba-se da larga experiência num mundo muito particular, o dos gigofuçus - misto de gigolô e cafuçu. Observara, em suas infames experiências, que os representantes da classe seguem manual de instrução (também conhecido como a bíblia ao avesso ou guia do cão...). Condensou, portanto, em nove as leis que regem os gigofuçus, e pede às moçoilas desavisadas que fujam dos tipos como o diabo foge da cruz. Sigam-na as boas e peguem-se os bons:


Manual dos gigofuçus - As 9 leis
by Sueli

"Artigo 1

Parágrafo 1: O homem tem que ter palavra (kkkkkkkkkkkkkkkkkkk, parece piada, mas não é. Eles realmente pregam isso )
Parágrafo 2: Por que gastar o meu quando posso gastar o seu?

Parágrafo 3: Há três coisas que me excitam em uma mulher: os peitos, a bunda e a chave do carro!

Parágrafo 4: Para ter sucesso na vida, não é preciso ter mais que o ensino fundamental.

Parágrafo 5: Homem não mente, homem esquece de contar.

Parágrafo 6: Colocar crédito no celular? NUNCA! Qualquer coisa, ligo a cobrar!

Parágrafo 7: Se eu usar camisinha, como irei sentir seu calor?

Parágrafo 8: Motel bom é aquele em que eu só preciso gastar meu pinto!

Parágrafo 9: Eu faço amor gostosinho, mas meu preço não chega a um real!"

19 de agosto de 2009

Quatro pedras na mão

É preciso raiva por vezes. Assumir que assim se sente; que quer morder, estraçalhar, esmurrar, gritar, espernear e chorar bem muito, até que o veneno seja excretado. Raiva é feio, mas é bom de sentir quando se torna um desabafo, um modo autêntico de tirar o cão de dentro, de manifestar que está ruim e que não se aceita o pior. Por que engolir mais um sapo, fingir que não se importa com mais uma atitude reprovável de alguém? Dar aquele risinho sonso de "nem te ligo"? Fingir que é um brother e fazer/receber confissões? Raiva, raiva de como as coisas não são como gostaríamos, de como as pessoas são medíocres (e nós também), de como elas não têm culpa de não serem do nosso gosto e, ao mesmo tempo, merecem todas as pedras. E que as pedras façam sangrar, como sangra em nós a mágoa pelo que existe e não se muda. Realidade, sobriedade, fato, óbvio...tudo fonte da raiva. Ilusões, desejos alimentados, viagens de coração nos dão o bálsamo necessário ao gozo, à tranquilidade e ao conforto da mentira em que apenas nós acreditamos e pela qual lutamos até a morte. Quando a morte chega, desses devaneios insustentáveis, a raiva domina - e ela só é merecida por nós mesmos, os responsáveis pela expectativa burra. Auto-ódio incomoda, mas é preciso. Beliscões nas bochechas frente ao espelho, grito alto e até uns murros na parede, uma coisa psicopata mesmo - bem O Iluminado - ajuda a acabar com o otário que há em nós. Bufar, rosnar,xingar, puxar cabelos...depois da descarga de mal, vem a bonança. Assim se espera. Aliás, esperar é o car...!!!

17 de agosto de 2009

Seco


O gole é seco, mas o sangue, rubro
Entra assim sem cerimônias teu desejo em mim
Tanto que, às vezes, sorvo e nem percebo
Quanto és tu e quanto sou eu nesse mar sem fim
Nesse sempre inquieto embaçar de lábios mudos

Faz-me triste ou faz dormir
E em Morfeu tanto repousei apenas por tua embriaguez
Fora dela não houve salvação
E talvez nem haja agora maior sensatez

Sei apenas meu não querer ser menos
Que tuas medíocres musas o são
Um complexo de Dionísio paira em meu sangue
E não ver paisagem sob nós já faz vão
Todo o sentimento puro
Todo o amor maduro
Que oferto assim sem querer

Para evitá-lo preciso beber
Mais um gole apenas de tu, vinho
Para esquecer meu solitário caminho
Que nego a tantos somente por saber
Nome e sobrenome da perdição

E só resta clamar à razão
Que me ajuda a dizer que é não!
Que apesar de tão forte empatia
Da nobreza cúmplice de todo dia
Não são meus os teus sabores mais fortes
Nem tem cheiro de mim tua sorte

Sai, então, pelo suor, pelo calor!
Assim some fatiada essa dor
Que teus cálices homeopáticos me causam
Toda noite antes de deitar
Vinho espesso, noite longa
Dia triste, longe e perto

Me ajuda a te tirar
De tudo o que seja íntimo
Mesmo que a retina registre em tortura
O líquido cruel de teu sorriso
Me tira essa verdade dura
Que agora não mais reinará

Vinho, embriaga-me mais uma vez
Que amanhã sem ti vou acordar.

5 de agosto de 2009

Os opostos se distraem


Desavisados certamente taxarão de preconceituoso, pedante ou discriminativo este textinho sobre mundos sociais distintos. Caso seja válido o artifício da desculpa, é importante frisar que se trata apenas de constatações naturais que, com medo de pecar e ser do mal, as pessoas evitam até mencionar. No entanto, ninguém se choca com patricinhas se divertindo com cafuçus do morro, como fossem artigos exóticos para usar e de quem rir. Do mesmo jeito com senhores empresários acostumados aos antros mais baixos de prostituição, que se assemelham às senzalas visitadas por eles quando no Engenho do passado de escravidão. Sem tanto drama, o que se observa é a relevância, não do fator econômico, mas do quesito cultural no andamento de relacionamentos amorosos. De início, tudo são flores - roubadas, de floricultura cara ou de plástico -, o espírito Romeu e Julieta manda pastar as diferenças sociais e os pombinhos fazem amorzinho gostoso no melhor estilo "nosso amor é tão bonito, mas seus pais não querem nossa união/dizem que a pobreza é lixo e que rapaz pobre não tem coração". Em matéria de tesão, para boa parte das criaturas, o que menos importa é grau de instrução, se já leu mais de meio livro na vida ou se não sabe a diferença entre camudongo e comunismo. Com o passar dos tempos, o frigir dos ovos e o esfriar dos hormônios, começam os incômodos. Ela evita sair em grupo com vergonha do pouco conhecimento gramatical dele. Ele liga para a amiga após o filme do cinema, pois, nas partes em que estava acordada, a namorada não entendeu. Os amigos cults não vão interagir com o cônjuge. Ela vai brochar os projetos dele por uma ignorante implicância. Vai faltar conversa no jantar (há coisa pior?). Apareçam os mais diversos entraves, os sintomas são de falta de sintonia, conexões desencontradas, delay, distância de tempo e espaço, confusão de sinapses. É triste, mas, quando é questão de ritmos distintos, a tendência é o insucesso. E só porque as criaturas não escolhem como companheiros gente com condição de companhia sua. Pobre, rico, feio ou bonito, a questão é: sintonia. Somente. Simples assim. A não ser para encobrir frustrações como auto-estima baixa, insegurança emocional e até completa incompetência de manter uma relação saudável, opostos não se atraem. Não significa que casais devam ser parecidos e, consequentemente, hermanos, contudo há de imperar afinidade mais do que básica, algo que justifique a cumplicidade - essa não morre com o passar do frisson. Enquanto o despertar para o outro se baseie em beleza, conveniência e padrão, sonhos diferentes ficarão no plano virtual; caminhos serão destruídos, sementes abortadas. A incapacidade de se permanecer só é a grande vilã de relacionamentos que só desgastam nosso íntimo já tão desconfiado. Esperar, enxergar e se conhecer: eis a ordem para não perder tempo e evitar mágoas. E, se o certo não existir nesta vida, que os errados, ao menos, estejam na mesma conexão.

27 de julho de 2009

Retrô


Difícil, mas menos triste do que imaginava admitir a nostalgia como companheira de vida. Emitir repetidamente o mantra "na minha época", observar fisionomias inertes em resposta à sua empolgação durante um Depeche Mode song, dividir espaço com senhoras quase idosas para tocar os pelos do braço de Paulo Ricardo (afemaria). Mais do que um sinal de Balzac, ter naftalina no sangue tem gosto de Xaxá. Fechar os olhos ao ouvir A little respect (Erasure), qualquer uma de The Smiths, blablabla é como assistir aos melhores filmes da prateleira, sendo você o protagonista de cenas românticas, cômicas e bizarras. O gosto pelo antigo perde um pouco o controle quando você ganha apelidos como Jukebox, Pablo ou Rosana, é verdade. Mas há vantagens inúmeras em ser um tipinho anos 80, como o fato de ser taxado de ridículo pela própria natureza, sem causar espanto se aparecer com camisa preta de Legião Urbana ou ursinho Blaublau na mão. Além de momentos solitários de diversão, as lembranças da "nossa época" podem causar gargalhadas em grupos - com exceção de estagiários e primos adolescentes, que te olham como E.T durante os comentários -, festinhas animadas, karaokê engraçadinho, entre outros programas que lhe façam lembrar de como você já foi divertido. Não que seja tedioso curtir as modernidades e artifícios de vanguarda; mas lembrança boa é uma delícia. Saudoso amante profissional, que era moreno, alto, bonito, sensual e ainda a solução dos seus problemas. Recordações de quando você era a garota dourada, que não dizia nem que sim nem não. Lágrimas (e chuva) com Kid Abelha; lágrimas (no escuro) com Lobão. Ai daqueles que não sentirem uma dorzinha boa ao recordar uma época. Ai de nós se não tivermos essa saudade desta época de gosto duvidoso.

20 de julho de 2009

Irreversível


"O que é demais nunca é o bastante, e a primeira vez é sempre a última chance". Ok, eu sei que Legião é auto-ajuda tanto quanto vocês sabem que pouco me importo com tal fato. A verdade é que todos os lugares-comuns têm um fundo de cidade. Bom pensar na chance única dos fatos e feitos para não esperar pelo incerto. Decerto, nem se sabe se o amanhã virá, ou se ele será propício a vivências que nos parecem importantes hoje. Talvez não reflitamos muito sobre esse valor aqui-e-agora de atitudes e principalmente de pessoas. Ao contrário, descartamo-nas sem bem nos darmos conta de quão feio pode nos aparentar esse ato quase involuntário. Descartáveis de acordo com nossa fases/objetivos/intenções, as criaturas vão e vêm como num jogo de cartas marcadas, que podem se perder pela manga ou no cantinho da mesa. Triste observar como todos fazemos esse mesmo jogo, um totó com bonecos de tinta descascada, a sinuca da periferia da cidadela de interior. Somos peças, ativas ou passivas, mas sempre manipuláveis e manipulantes. Não há de se assustar. Apavora é a ideia do irreversível. E se fizemos a jogada errada? E se o blefe não deu certo? Cartas na mesa, jogo feito. Não voltam as peças a dançar conforme nossa música. Jamais terão aquele brilho no bailar das nossas tramas, do nosso bel-prazer. E como poderíamos tê-las feito ganhar...Deixamos passar, pois. Se não as teremos como antes, ao menos façamos delas mais do que pedras de um dominó ímpar, quando poderemos sentir falta de partidas mais dignas que não acontecerão.

6 de julho de 2009

Terapia do porquê

Lições de gramática não seriam tão desinteressantes quanto falar de porquês, sabe-se, mas a ideia aqui não é explicar por que eles devem ter acento, separar-se ou outros diferenciais. O desejo é mais simplório: entender e respeitar essa bela união da preposição com o conectivo, tão banalizada na vida normal quanto na norma gramatical. O porquê significa motivo, é a razão de se efetuar algum ato, o basicão start para se tomar atitudes. Todavia costumamos esquecer desse detalhe literal e puro, que deveria ser a base para nossas ações. Como em tantos outros atos de teimosia, deslumbramento ou estupidez mesmo, preferimos o por que não? ao esperado por quê? Agimos como fôssemos levado pela primeira onda que surge no mar de tédio; se a vida está inerte, por que não aceitar essa ou aquela proposta? Por que não topar os programas mais ou menos que nos sugerem? Na verdade, sequer paramos para refletir se temos vontade de agir de tal forma, se algo nos impulsiona, se aquilo vai nos acrescentar algo. É o tal do porquê negligenciado, desprezadinho - o pobre - por trás de um bando de coisas sem noção, sem graça e principalmente sem sentido. E é fácil reconhecer quão idiotas somos nesse quesito motivo. Quem de nós faz a perguntinha "há razão que justifique?" intimamente diante de convites, ideias e atos malassombrados que nos venham à tona? Ao contrário, nos apegamos a qualquer coisa que vá nos levando do suposto marasmo de nossa vida chatinha. Parece que nem temos razão de viver, objetivos, estímulos e sonhos. Lesmas que dormem e acordam, locomovendo-se à sorte do que vier pelo caminho. Nem tudo está perdido, no entanto. A Terapia do Porquê existe para nos salvar dessa lama de joselitice, da triste passividade de não agir racionalmente. Tratemos desse mal abusando do porquê. Perguntemos, a cada simples ato, se existe algum motivo para tal ação. Façamos programas que nos interessem de algum modo, seja mesmo o mais banal; aceitemos o que seja bom para nós, o que faça sentido. Talvez tenhamos menos do que reclamar. Menos calorias ingeridas sem fome; menos ressaca sem vontade; menos relacionamentos frustrados. Com certo tempo de adestramento, já nem achamos graça no que antes pareceria intrigante. Incrível como nos faz economizar suor, saliva e sarna pra coçar. Mais do que nos preocuparmos com acentuação e grafia, vamos dar valor ao verdadeiro sentido do porquê, esse bonitinho que só quer a merecida atenção.

29 de junho de 2009

Síndrome de Tonha


Elas eram mais interessantes antigamente - como tudo, na opinião de quem tá perto dos 30. Não só as novelas, mas as personagens. Talvez porque fosse mais desafiador imaginar mulheres caricatas que não fossem cachorras, tchutchucas ou dondocas ocas. A fabulosa Heleninha Roitman, de Vale tudo, perfeitamente executada por Renata Sorrah, é um dos grandes exemplos de gente de mentira que merecia ser real. "Um mambo, por favor", pedia a cachaceira rica entre uma gaitada e outra, enquanto ainda conseguia proferir algumas palavras. Praticamente todas as de Jorge Amado também merecem menção, mas ninguém como Tonha para ilustrar a fase preferida das mulheres: renovação. Depois da tempestade...os cabelos novos, o banho de loja, o glamour. "Que venha essa nova mulher de dentro de mim. (...) Livre para o amor. Quero ser assim, senhora da minha vontade e dona de mim". A pobre madrasta de Tieta jamais imaginaria se tornar aquela deusa de roupa esvoaçante nas dunas, depois que o diabo velho que a oprimia literalmente desencarnara. Quem não quer se sentir uma cabrita do Agreste correndo na areia? Não importa se a gente levou um fora, um chifre, uma facada pelas costas ou uma simples topada, afinal o mundo gira, o mundo é uma bola, e você ainda pode se valorizar. Dar férias ao coração mazelado (bom que férias existem, mesmo que sejam alheias!) e investir no que realmente importa: cabelos, corpo, unhas, roupas! Está triste por que ele não te olha? Experimenta os modelitos recém-adquiridos e desfila praqueles 30 que babam por te ver até de saco de lixo. Está ansiosa esperando ele ligar ou ficar online? Arruma uma lavagem de roupa, ou melhor, vai fazer as unhas, porque lavar estraga suas mãozinhas. Raiva do otário da vez? Correr na esteira com ódio é a pedida; dizem que se queima calorias em dobro! A euforia pode ser tão passageira quanto a tinta do cabelo, a vida pode (e vai) te chamar para uma rotina de gata borralheira novamente, e outros Velhos Estêvãos podem surgir. No entanto, a Síndrome de Tonha não lhe deixará ser vítima de mais um cajado, e sempre haverá uma Tieta para bancar a viagem para o melhor destino que há em você.

26 de junho de 2009

Brigaduuuuu

Tudo bem que ele é mulherengo, tarado, doente por sexo - segundo ex-esposas sequeladas -, e encarna naturalmente o Jorge Tadeu. Tudo bem que ninguém merece ternos brancos, ombreiras, olhar 43 e mugangas com a boca. O fato, todavia, é que Fábio Junior merece a alcunha de Rei e ponto. Como não? Assim como Pelé, Roberto Carlos e Reginaldo Rossi, por exemplo, o galã atravessa gerações como ícone da fossa, de amor visceral de mulher, de menino e de pai. Com ou sem rugas (e pregas), o homem arrasa qualquer coração sensível, principalmente se o bichinho da dor-de-cotovelo está roendo dicunforça. Fabão nasceu pra fazer chorar, seja pelos chifres que provoca ou pelos que consola. Ele pede colo, gira o mundo, se apaixona sem limites e não sai dos 20 e poucos anos. Diante da interpretação sofrida de letras suas e alheias - sempre profundas, como alguém que chega ao fundo de um ser humano -, até se pode aturar um figurino cafona e um olhar de Ted. Principalmente quando ele diz, mansinho, pra esquecer, se ele não me ama e não me quer...talvez até valha a pena comer a florzinha fálica pra ver se cola. Ou responder, de fato, o que é que há. Assim, girando o mundo, como grãos de areia tão fininhos; enroscar no pescoço, ser caça e caçador, chamar pelo pai e pela mãe. Fábio, senta aqui, que eu quero colo! Sem mais para o momento, desde já: brigaduuuu!

Recomendo: O que é que há / Quero colo / Sem limites pra sonhar / Eu nunca estive tão apaixonado / Senta aqui / Amar sem medo de querer / Desejos / Amar você / 20 e poucos anos

15 de junho de 2009

A Mulher-Goiaba


Purpurina, glitter, paetês, cores de Almodóvar, cores de Frida Kahlo, cores. Não se pode negar o carisma e a atratividade – bem eufêmica, eu sei – do mundo gay. Ao menos quando se trata de auto-estima e ego, os heteros que me desculpem, mas pose é fundamental. Afora saunas, antros e inferninhos típicos dos homens que curtem homens – tão nojentinhos quanto casas de massagem, puteiros e cabarés heterocafuçus –, ambientes gays são mágicos, pois nos transportam para páginas da Vogue, quarda-roupas de Paris e clipes de Madonna. Primeiro que a produção já é outra; ninguém vai ao bar da esquina pagando coxão e decote, sutiã de oncinha e salto vermelho na nuance do batom. Para ir à balada GLBTS, vale até tirar acessórios do saco de fantasias, somente aberto nos meses de fevereiro. Aquela bolsa “cheguei” que ganhou da tia vai finalmente conhecer as luzes da noite, e a maquiagem da marca Meretriz estampará seu rostinho a la Cher (antes do século XXI, claro). Não importa se o taxista acredita conduzir camélias ousadas a alguma casa de imoralidade; quando você desce do carro, imagina o flash ofuscando seu olhar prateado, enquanto pisa no tapete vermelho da Calçada da Fama. A partir de então, tudo são flores, todos são queridos e a miséria não existe – exceto no caso de um salto ou unha quebrados. A própria Spice Girl, ao lado das amigas de luxo, você não adentra a boate, e sim estreia. Tudo bem que não chegam a aplaudir, mas os olhares são sempre muito sinceros, de aprovação ou vaia. Chegou a vez de levar à vida real (??) as caretas que se ensaiou, desde a infância, no espelho, e também as poses que ilustram os mais abalantes perfis do Orkut. Que importa se somos infelizes? Ali – e no espelho e no Orkut – imagem é tudo, beleza põe mesa e aparência importa. Seja qual for sua opção sexual, se é que você já fez alguma opção, tipo um batizado ou registro em cartório, a intenção é provocar a plateia com seu melhor olhar 43, seu bocão 69 e seu rebolado 24. A soma é o sucesso, a felicidade. Principalmente quando você, já no auge do ego inflado, flutuando de salto, sem sentir os pés – e também pernas e braços...Siga a orientação do Detran: se exibir, não beba –, resolve se transformar na incrível Mulher-Goiaba. Uma coisa é despir-se de preconceitos, outra é despir-se sem conceito algum do que você julga por opção sexual. Você gosta de homens, certo? Por que, num lugar repleto dos mais deliciosos espécimes, voltar para casa sem usar decentemente o batom? Pronto, já passou da “hora de morfar” e aceitou o cortejo direto do rapaz sarado que perguntou logo se você era hetero. A Mulher-Goiaba não só aceita, como beija, beija...e? Só beija, claro. No máximo, um ensaio de amasso, sem o envolvimento de membros que não sejam as mãos, e uma pseudodança do acasalamento. Sim, porque tudo o que você não vai fazer é acasalar. Bibas beijam bem, te enchem a bola, te chamam de ma-ra-vi-lho-sa, mas não vão passar disso, a não ser que estejam altamente doidões, sob efeito, inclusive daquela drogazinha Viagra. Fantasia não recomendada para quem procura namorado, day after ou sexo casual. Mas é sucesso garantido nas fotos do perfil, nas páginas da Vogue e nos clipes da MTV. Mulher-Goiaba vai pra casa sem batom, mas de calcinha; de imagem suja, mas de alma lavada; descendo do salto, mas subindo no conceito da galera In. E, na volta, o taxista ainda dá um desconto, com pena da noite de prazer sensual que você deve ter proporcionado a tantos homens – afinal, pior vida do que a dele você, na dureza da prostituição, deve ter.

7 de junho de 2009

Como arrumar namoro em 5 dias (ou Homens-megeras)


Engraçado como, em poucos minutos de uma noite pleonasticamente tediosa de domingo, é possível perceber situações novas a respeito do manjado, mas sempre surpreendente, time masculino. Principalmente quando as particularidades remetem a paradigmas relegados às fêmeas. Dia dos Namorados, bingo! O mês de junho mal chega, e já começam os olhares de peninha pra você, mulher solteira, que sempre procura (ao menos na ideia do senso comum), e não acha. Embora você procure ignorar, ao se concentrar nas garrafas de vinho que entornará sozinha num dia de restaurantes e motéis lotados, flores e pingentes clichês, carteiras e camisas cafonas, cartões de crédito estourados e sorrisos amarelos, é difícil não perceber que somos alvo da piedade alheia. Não há novidade, nem isso incomoda a maioria de nós. Exceto o fato de imaginar a noite maravilhosa que o ente amado terá com a provável "enta" (ou anta, ente...crente?) dele num dos bailinhos frequentados por pessoas acompanhadas (chifrudas, infelizes, descontentes, brochadas, porém atadas), pouco importa se o dia é doze, dê ou dá-ou-desce.

Os rapazes solteiros, contudo, não demonstram o mesmo desdém de ocasião. Não aqueles que contribuem para o desagradável, indesejável e cansativo estereótipo masculino. O adjetivo "solteiro" até lhes pode soar bem nas deliciosas danações pelo mundo da esbórnia, porém, no Dia dos Namorados, marco na cultura Sou Infeliz, mas Tenho Cônjuge (experimente substituir o termo em itálico por corno, brocha, puta, mal-amado, doentinho), é o cúmulo do desespero. A fim de fazer parte da massa que lota as filas dos recantos do amor na data, apelam para ex-namoradas, lista telefônica, amigas solteiras ou até contatos virtuais. Sem querer voltar à época quase-feminista deste bloguinho, impossível não constatar o quadro tétrico diante de abordagens, quase simultâneas, de uma inquietação incoveniente. A apelação começa com o telefone beatle insistentemente cantando If I Fell (tá bom de trocar esse toque, eu sei) e em cujo visor aparece o nome de um ex que acaba de virar ex de outra e, talvez por isso, tenha entrado na onda de apelação. Em seguida, um cafuçu para o qual você nunca deu bola tenta parecer casual: "Oi, minha linda, quanto tempo! Moramos tão próximos...vamos marcar uma? Que tal um chopp sexta?". O silêncio como resposta, depois alguns comentários sobre a vida, o tempo e o futebol, nova investida: "...mas e aí? Quinta ou sexta?". Quase ao mesmo tempo, uma janela te assombra assim:

Boa Praça diz:
sendo bem honesta (como eu sei que vc sabe ser)...
Boa Praça diz:
tu sente o que por mim?

Renatinha * só por hoje diz:
afe, meda! ngm merece esse tipo de conversa num domingo a noite. e logo assim de cara

Boa Praça diz:
não me venha com subterfugios gata...o que vc sente? (...) Sei que não temos nada, mas o q vc acha de mim? (...) Sim, mas como vc me vê?

Renatinha * só por hoje diz:
Estou participando de alguma enquete, algum episódio de Fica Comigo? Depois diz quantos pontos fiz no ranking

Não, não foi o último a ficar puto. O ex e atual solteiro-ligador, reclamou via msn: "sempre com desculpas/faz meses desde a última vez em que nos vimos/ Não use seus filhos como escudo/Não é só comigo que vc farrapa? Não me interessa saber com quem mais é, entendeu?".

Estou enlouquecendo ou esses rapazes estão com Síndrome Pré-Valentine's Day??? Que diabos a criatura tem a ver com a solteirice alheia? Estaríamos nós, avulsas, dando falsas esperanças a esses coitadinhos? Mesmo as mulheres práticas na negativa, que nunca deram trela a A, que disseram não a B e sequer tiveram algo com C? Os cuecas não estão cobrando raspas e restos sem analisar que talvez nunca tenham tido um pedaço inteiro ou mesmo tenham dividido seu próprio pão? De repente, travestiram-se das megeras de que tantam reclamam, que cobram compromisso sem qualquer fundamento ou critério? A reflexão até que pode ser útil se colocarmos nosso passado no espelho...talvez esteja lá a imagem da insegurança, do desespero, da carência fantasiada de solidão. Mas alguém precisa dizer a eles que, tal qual pochete, suspensório e trancelim dourado, megerice não combina com a maravilhosa aura prática, tranquila e aparentemente firme do homem. Ou que apelem para Par Perfeito, Disk Amizade e bonecas infláveis...quem sabe, com êxito, não descolem a companhia ideal para o Forró dos Namorados?

3 de junho de 2009

De filososfia, de nóia e de amor


Enfim um remédio eficaz - embora paliativo - para a dor de cotovelo: a filosofia. Nada mais certeiro, pé no chão, água fria, brochante do que pensar, pensar até chegar a partículas de sentido/razão. Se o excesso de análise racional questionadora golpeia forte a ilusão, para o bem ou para o mal (e isso existe?), o fato é que incentivar os neurônios combate o efeito trágico de sensações como rejeição, não correspondência, traição, humilhação, ausência e outras tantas típicas de quem sofre por amor. Um bom exemplo desse simplório diagnóstico é seu avesso - quando estamos eufóricos de felicidade, inflados como balão, flutuando nas alegrias cor-de-rosa, e alguém nos acorda, nos faz questionar até racionalizar um tantão, POW! , é queda certa. Na mesma medida, o veneno da alegria pode ser o remédio da tristeza. Simples assim. São infinitos os caminhos para se chegar a tal receita, mas, a princípio, podemos questionar o que nos faz amar aquela criatura e - o mais importante - sofrer por não tê-la naquele instante. "O negócio não é encontrar as respostas, mas sim fazer boas perguntas", recomenda o filósofo, sem saber que funciona também como médico de almas. O que nos atrai, o que nos faz desejar o outro? Atributos, características, impressões? Tão convincentes quanto nos anúncios de carro, as ilusões despertas por nossos desejos de consumo nos fazem acreditar no bom negócio que efetivaremos por meio daquela aquisição. Sem falar no quesito beleza, que é o mais idiota e vazio de todos, apaixonar-se por alguém pelas características que agrega (doçura, inteligência, bom-humor, blablabla) é investir num produto pelo custo-benefício. Conquistá-lo dará à minha vidinha bom-humor, doçura, sabedoria e blablabla? Não tê-lo subtrairá tais coisas da minha vida? Na verdade, se botarmos lenha na caixola, veremos que nos apaixonamos pela paixão, desejamos o desejo, amamos o fato de estarmos in love, e não o "objeto" e suas qualidades. Queremos ter um carro, ponto. Mas a propaganda quer nos vender as sensações de liberdade, conforto, poder. Gostar de alguém não é tão grave pelo simples fato de entendermos que gostamos de sentir aquele desejo, por um, por outro e por tantos com os quais ainda vamos nos envolver. Claro que existem as pessoas com quem temos grandes afinidades, que admiramos absurdamente, que nos deixam moles de tanto querer. Mas é justamente esse excesso, esse transbordar que nos deixam "apaixonados". E excesso sempre traz o perigo, a tensão e, não raro, o desastre. "Onde tem paixão tem dor; é só uma questão de perspectiva". E não é? Nesse estado, sempre alternamos euforia, depressão, medo, loucura, calma...nunca paz, equilíbrio. Se essa mistura é tão óbvia, por que ainda nos apaixonamos por criaturas que não passam de conversíveis vermelhos, quando podemos curtir um fusquinha ou até nos locomover a pé? E sabendo que a estrada sempre terá buracos, sejam quais forem os pneus ou sapatos. E se dando conta de que conversíveis vermelhos nem são tão importantes para nós. Amor mesmo não se justifica por conveniências, não se estabelece em padrões ou se compra por influência da propaganda. Logo, sofrer por não ter alguém que sequer produz o excesso é sem sentido. Eu avisei: o remédio era para morgar. Foi bom pra você também?

25 de maio de 2009

Rosa-choque


Da série Frases de impacto femininas. "Não consigo sentir o risco", finalizou a conversa a bela mulher travestida de ninfeta, ao ser sabatinada por declarar o não ciúme, a não insegurança em relação ao marido. Ela não percebeu, mas meus olhos brilharam de um orgulho estranho. Daquele como se ela fosse parte minha, como se fosse eu mesma até. Alguns podem chamar corporativismo, sexismo, feminismo, gosto pelo coletivo de iguais. O fato é que me despertou um sentimento há muito adormecido pelas bandas abusadas de cá dentro da blusa. Mulheres são belas, fortes, maravilhosas. Podem ser tão adoráveis ao ponto de te desviar a atenção do homem amado (que não te ama, claro), mesmo que nem haja fanatismo ou vocação lésbica. Seguras, donas de si, de caráter, livres, charmosas, geniais, engraçadas, bailantes, risíveis, atrapalhadas, gargalhosas, talentosas. Mulher que não consegue sentir o risco da traição, pelo simples fato de valorizar o tempo ao lado do amado, sem briga, desconfiança, drama ou medo. Mulher que sabe ser genial até na cozinha, e levar tão a sério a arte gastronômica que ser chamada "cozinheira" lhe confere orgulho maior do mundo. Mulher que dorme tranquilamente no sofá e acorda linda depois da noitada, cuja volta pra casa fora marcada pela presença asquerosa de baratas na cama. Mulher que desce do salto poser da modernice e se declara para um loser-bomba, dos tantos que desfilam por aí, e ainda conta pra todos os amigos sem pudor. Das que amam demais. Das que não se abalam. Das que cuidam. Das que cantam. Das mães. Das filhas. Havia me esquecido de toda essa carga que desperta o bairrismo, a torcida, o orgulho, o murrinho no peito. As sonsas, fingidas, hipócritas, invejosas, traidoras e traiçoeiras...essas não são mulheres. E, tirando indianos, quem liga para as vacas?

17 de maio de 2009

Golpe Fantasma


"Levei um golpe fantasma da Rádio Recife", narrou, em manchete, a moça chorosa ao se lamentar do estado de desgraça que a acometia. O golpe fora uma música do Abba, que tocara no bacurau do Rio Doce/CDU, condução que acabara de pegar após momentos de romance descartável com o ser amado. Chorou sob o olhar do cobrador, que não a deve ter condenado, pois certamente já levou dessas facadas invisíveis do acaso, das quais as musicais são as mais doloridas. Ao menos, foi Abba e não José Augusto que a golpeou tão cruelmente naquela noite de lua cheia de lágrimas. E pensar que a canção Ele, do rei dos cotovelos machucados, já tinha feito estragos maiores em público. Não menos do que Fui Eu, Minha História e outras tantas de Zé Guto das Causas Impossíveis. No trajeto, lembrou que, dias antes, seus olhos se liquefizeram durante o karaokê, enquanto cantava Frisson, de Tunai. Sentiu vergonha de tanto apanhar. Se os amigos a vissem berrar de desespero cantando hits pop de Lulu Santos e Kid Abelha, no chuveiro, provavelmente a matriculariam num intensivo de defesa pessoal. Havia se transformado num saco de pancadas; socos, pontapés, voadoras, rasteiras, bofetes que vinham de todos os lados, do rádio, da TV, dos casais de namorados nos bares, das fotos, das viagens do almoço, da lua, dos goles solitários ou não. Pediu parada e decidiu reagir. Mo Cuishle! Inspirou-se no karatê de Daniel San e no kung fu da Mamba Negra "Noiva", e planejou pular corda, lavar vidros, pintar cerca, correr na praia e todo o treinamento manjado dos ídolos da telona. De vítima, passaria a algoz. Agora, a melhor defesa seria o ataque, guerra seria guerra e bandido bom seria bandido morto. Estava vestida de aço. E nem bala, nem choque, muito menos bomba abalariam o poder de alguém que adotara o sobrenome Balboa.

11 de maio de 2009

Vida vizinha


É difícil dormir à noite
Fechar olho e mente sem peso
Cessar pensamento e desejo
Livrar coração do açoite

Triste ter de apagar a cabeça
Quando a alma se põe levinha
E a história de uma vida vizinha
Passa em filme e vela acesa

E os sorrisos adoçam a tela
Campos de flor, cabelos ao vento
Vida de cor e luz é aquela

Lá floresce o que a vida perdeu
E não se permite ouvir lamento
Posso ser tudo do amor que é meu






28 de abril de 2009

Justiça aos homens de coração


PENSO, LOGO DESISTO

(Por Igor)

Eu estava aqui pensando: os solteiros me dão pena! Não porque somos solteiros, porque estamos abandonados à própria sorte, livres para tudo (ou melhor, nada...), cheios de possibilidades (vazias e aleatórias)... Somos dignos de pena porque investimos o nosso suado dinheiro dos nossos fantásticos empregos em atividades totalmente desvinculadas do nosso interesse (ioga, fotografia, culinária, teatro, artesanato); nos exercitamos, suamos a camisa, e nos machucamos, nos contundimos (meu Deus, que saudade da minha cama e dos meus livros!); compramos os mais avançados utensílios tecnológicos – laptops, carros do ano, televisores enormes (ainda existe cinema na sua cidade, acredite); nos vestimos com roupas caras, usamos óculos “Ray Ban”, como se precisássemos enviar ao mundo a mensagem: eu estou disponível! Eu sou bem sucedido, inteligente e bonito... (leia-se: eu estou sozinho! Assustado, magoado, tentando desesperadamente chamar a atenção de alguém para alguém – eu - que na verdade nem é assim!).

Parece que tentamos preencher o nosso vazio com bugigangas e os amuletos da nova era, mas eles não entram nos espaços, sabe? Como aqueles brinquedinhos de encaixar para crianças, mas nada se encaixa: a estrela não encaixa no coração, o cubo não encaixa no círculo e a criança perde a paciência, então vai deixando os encaixes amontoados, apenas recobrindo o tabuleiro, numa bagunça em que ninguém acha mais cubo, estrela, coração... Muito menos o tabuleiro... O tabuleiro continua vazio, cheio de buracos, e ainda sufocado, aguardando uma mão amiga que saiba tapar... Bem, deixa pra lá.

Imagine-se multimilionário, saudável, bem-humorado, espirituoso e vivendo em uma ilha rodeada de tubarões áridos... Nada contra as motivações pessoais ou o bom gosto, mas, parafraseando Machado de Assis, “não existe espetáculo sem expectador...” Quem já teve um grande amor sabe que o sol, a praia, o vinho, a chuva, tudo deixa de ser substantivo e passar a ser substancial, tem cheiro, cor, sabor... É óbvio que são só ilusões, distorções dos nosso cérebros, mas e daí? São fantásticas, maravilhosas, inesquecíveis! É isso que resta, que importa, que fica...
Quem não quer ter filhos, almoços de domingo, alguém que te reconhece como doente ainda no período de latência (e bota sensibilidade nisso, quase coisa de mãe), que sabe quem você é (e mesmo assim continua do teu lado), não, não é para vocês que eu falo. Vocês são o extremo da evolução: seguros, independentes e deliciosamente promíscuos... Parabéns pra vocês! Em verdade, vos digo: o que quero dizer interessa aos casados, aos apaixonados, aos enrolados, aos envergonhados (e aos desavergonhados) e aos não mais tão apaixonados assim: meus queridos, prestem atenção! Não estraguem tudo, p...! Vocês podem acabar no shopping, na academia, no seu carrão, em casa, no computador...

21 de abril de 2009

Mulher estupra invasor na Rússia

Deu no jornal. Na Rússia, a mulher tava sozinha no salão de beleza onde trabalhava. O ladrão invadiu. Ela deu um golpe de artes marciais e o imobilizou, amarrando-o em seguida. Ia chamar a polícia, mas, analisando bem o espécime, decidiu se aproveitar. Obrigou o rapaz a tomar Viagra e mandou ver por dois dias inteirinhos. Mas mandou tanto que deixou o bilau do escravo sexual esfolado. Adivinha quem prestou queixa na polícia primeiro? Incrível como a autonomia feminina alcançou até os padrões do "crime". Estuprar um homem é possível (e risível, claro. Alguém consegue ter peninha deles?)! Não que defendamos o sexo forçado -longe disso! Mas bem que é interessante perceber que os homens também estão sujeitos à suposta e tão antiga fragilidade sexual tipicamente feminina. O fato também revela o desespero/secura/estado de calamidade da pobre mulher, mas não nos chama a atenção a característica velha conhecida das calcinhas: desejos e vontades estão no mesmo grau em ambos os sexos. Lamenta-se que sejam necessários exemplos bizarros, incluindo chifres os mais incríveis e demais traumas masculinos, para que se compreenda a natureza feminina sem a pitada generosa de machismo/ignorância que impera. E essa russa infame bem que poderia ter comprado um amigo de borracha, um consolo básico. Afinal, se começarmos a praticar as maldades comuns aos homens, tornaremo-nos tão medonhas quanto eles podem ser.
Leia a notícia completa aqui:

15 de abril de 2009

Deixo assim ficar subentendido


Como uma idéia que existe na cabeça e não tem a menor obrigação de acontecer pode não parecer fraqueza? Esconder, camuflar, calar, negar, combater...deixar subentendido pode ser escolha nociva, não só pelo acúmulo de emoção contida, mas por desencadear o grave problema do erro de comunicação. A velha mensagem equivocada, o não dito pelo dito. Não declarar é deixar mal entendido, embora, em muitos casos, omitir seja sábia decisão. Ninguém precisa expor algo que não vá ajudar ou, até mesmo, atrapalhe. Mas são tantas as bolas de neve provenientes de pequenos grãos de gelo guardados. Daqueles que viram avalanche e congelam até o músculo quente. O silêncio gera conflitos, revoluções, por vezes, irremediáveis. Arrependimento de não dizer e não fazer é coisa pouca perto do desgosto de ter passado o recado inverso, que parecia tão claro do lado de cá da comunicação. Não se trata de se revelar, vomitar o mal ou bem querer a qualquer custo, vestir-se de infra-vermelho. No entanto, para bom entendedor, só todas as palavras bastam. As meias ficam para nós, os covardes.

11 de abril de 2009

Homi é 1 reau



Pra quem supervaloriza. Pra quem economiza. Pra quem esbanja. Pra quem não tem. E pra quem gasta. http://www.youtube.com/watch?v=VsTHpYXpDEs

6 de abril de 2009

De mulher


- Amiga, preciso te confessar de uma vez por todas: gosto de meninas...

- Eita, danada! Eu suspeitava...mas quer saber? Te invejo. Queria eu gostar delas também.

- Oxe, por quê?

- Deve ser mais fácil lidar com mulher. Elas não sofrem.

- Não? E o que tanto reclama Ana Carolina?

- Eita, é...deve ser o lado hetero do bi dela.
- ...

31 de março de 2009

Abre as asas sobre nós

Rédeas, cabresto, bitola. A imagem de um cavalo ou burro submetido, tão duramente, à vontade alheia remete mesmo ao conceito de liberdade. Ou melhor, de sua ausência, de sua castração. Se o peito dói de piedade ao se vislumbrar um desses animais, de vontade tão subjugada, que dirá sentir o golpe do chicote nas próprias costas, seja qual for o elemento controlador na cela? Sentir-se passivo, bitolado, boneco de ventríloquo, privado do direito de ir, vir, voltar e virar não parece digno nem aos espíritos mais inertes. Não se trata de aceitar sugestões, seguir conselhos, atender a pedidos, obedecer ordens convencionais - atitudes naturais de uma disciplina necessária e de uma organização benéfica. O que fere é o açoite de não poder ser, estar, permanecer ou exercer outros verbos de ligação. E não se sabe quão magnífico é ser livre até que se experimente da privação de autonomia. Não é possível optar, decidir quando e como, nem ir onde se quer. Seja assim e assado; isso é certo e aquilo, errado; faça agora e não depois; se não agir assim, serás mau.
Cavalos não reclamam. Burros aceitam, resignados, a carga. Devem comer capim, usar ferraduras, carregar fardos, seguir comandos e atender ao direcionamento imposto. Devem também eles sonhar com as asas de Pégasus adentrando esferas celestiais as mais belas. Devem sentir o sabor das nuvens e da crina sem amarras.
Liberdade não precisa ser voo irresponsável, mas galopes ritmados ao gosto do vento. E todo aquele que priva um ser de ser desconhece a dor de querer, mas não poder.

25 de março de 2009

Versos canhotos


Pedem-me versos
Melodia, rima, métrica
Ou qualquer leitura rica
De emoções que a prosa não sabe explicar

Pedem-me versos
Amores de Florbela
Rainhas de Neruda
Dores de Pessoa
Como se a eles pudesse chegar
Sem o merecimento do sublime

Pedem-me versos
Daqueles que engasgam ou dão soluços
Dos de fazer doer
Ou dos de cessar

Mas, finda a dor, onde achar inspiração?
Se a vida e seu "não" é que faz verter palavras
Se quem dá emoção ao papel é a desgraça
O não ter, o conter, o implodir
O deixar fluir vazios que mantêm o peito cheio?

Peçam-me versos
E não percebam o papel borrado
Ou o que nele esteja estampado
Que nem é dor nem fim do túnel
Parece apenas o infortúnio
De música sem clave de sol
De amar sem rima e sem dó

Perdoem-me os versos
Os que ensaiei e os que não fiz
Pois versar é desatar nós
E para seguir em frente
Às vezes é prudente atar firme
Aqueles laços acetinados
Barbantes cintilantes de sentimento inconfesso
De orações escondidas
Das paixões proibidas
Pelo pecado que é ver poesia
Onde só deveria haver prosa

22 de março de 2009

Espanca e não cansa


Se é sempre Outono o rir das Primaveras,
Castelos, um a um, deixa-os cair…
Que a vida é um constante derruir
De palácios do Reino das Quimeras!


E deixa sobre as ruínas crescer heras,
Deixa-as beijar as pedras e florir!
Que a vida é um contínuo destruir
De palácios do Reino das Quimeras!
Deixa tombar meus rútilos castelos!

Tenho ainda mais sonhos para erguê-los
Mais alto do que as águias pelo ar!
Sonhos que tombam! Derrocada louca!
São como os beijos duma linda boca!
Sonhos!… Deixa-os tombar… Deixa-os tombar

(F.E)

19 de março de 2009

A verdade sobre os homens


Quanto mais a gente acha que entende da personalidade (???) masculina, mais se surpreende com a capacidade deles de surpreender, mesmo no óbvio e ridiculamente previsível contexto do seu mundinho. Pensava exatamente assim em 2003, quando, numa produtora de amigos, assisti ao curta Na cama com King, que mudou a minha vida, por revelar, de uma vez por todas, o que almejam as pessoas de cueca. Seis anos depois, a coisa não mudou muito. A grande revelação de King continua inquebrantável. Tanto que me deu a sensação de marasmo, estagnação, falta de novidade na turma pouco criativa do sexo oposto. E eis que o filme de King apareceu, de novo, de supetão, no meu caminho. Assistam ao Rei, desvendem o segredo de los hombres e ingressem no "Kung-fu comunista"!

15 de março de 2009

Spending my time


What's the time? Além de Roxette, muitos já fizeram tal pergunta. Mas, afora o seu sentido literal, pode-se divagar sobre o tempo presente, aquele hoje sobre o qual dá até medo de falar por não termos segurança do que significa. Passamos boa parte da vida concentrados no futuro e obcecados pelo passado. Basta analisarmos o nosso dia. No desjejum da segunda-feira, já estamos neuróticos a planejar o almoço, os pagamentos e os compromissos da semana. O tempo não catatônico que sobra, geralmente nos minutos antes de adormecer, é dedicado às lembranças dos dias (ou meses, anos, encarnações!) anteriores e suas sequelas tatuadas na nossa mente subestimada. Durante reflexões existenciais, atemo-nos ao "de onde viemos?" e "para onde vamos?", uma vez que o "quem somos?" parece absurdamente desagradável de exercitar, não se sabe bem por quê. Se ensaiamos alguma coragem para fazê-lo, logo surge a grande idéia de assistir a um filme, voltar ao livro sem fim da cabeceira ou escrever um post inútil no blog. Como nos organizar para atingirmos aquela felicidade tão natural quanto picolé de tuti-fruti que nos apontam os best-sellers pós-modernos cifrônicos e alienantes (para reconhecê-los, observe se o título traz palavras como queijo, inteligência emocional, enriquecer, pro-ativo...)? Fácil nos transpormos para o futuro ideal das miragens consumistas ou românticas...até lembrarmos o nosso passado, o que não fizemos e os feitos errados. O banzo do hoje chega de novo. O tédio de nos constatarmos automatizados por recordações lobotômicas que já nem sabemos se foram reais e também por vislumbres de um futuro nervoso, ansioso, quase esquizofrênico da satisfação plena dos nossos desejos de agora. E agora? O que fizemos dele? Dispendemos o mesmo esforço para vivermos bem nossos dias? Levantar mais cedo, preparar um café-da-manhã especial, depois de observar o céu azul-gritante do terraço, usar o sabonete importado no banho demorado, produzir-se com o melhor do guarda-roupa, ir de táxi, pôr em prática idéias outrora vagas no trabalho e pregar uma figura de Klimt na repartição. Completar as palavras cruzadas enquanto espera a vez no consultório médico, de onde se sai direto para fazer os exames solicitados, que, dessa vez, não vão perder a validade da requisição. Na volta para casa, jogar-se no chão com as crianças para uma sessão de arte na cozinha, onde farão biscoitos, com direito a sujar roupa e mesa. Antes do sono, escrever aquelas linhas pendentes, telefonar para os amigos esquecidos e esmagados pela nossa ânsia por amanhãs que nunca chegam. Outro banho perfumado, um filme intrigante, ler Neruda ou Espanca com taça de vinho e castanhas. E a única preocupação, ao dormir, será a de como os lençóis novos parecem confortáveis. Nesse exercício de aqui-agora, nosso tempo é hoje. E também a nossa perda contemporânea será a de cada dia. Agarrar já as oportunidades que poderiam ficar para o superlotado amanhã. Comer a cereja primeiro. Permitir-se o desfrute destinado a um tão longe e arriscadamente inexistente fim de semana. Desligar a tecla Remember. Sentir-se ato e não plano. Talvez aprendamos a conjugar o tempo presente por um método mais leve do que o do arrependimento futuro daquilo que não se fez no passado por atropelamento do hoje.

12 de março de 2009

Está escrito?


"Maktub", "Está escrito", gritam hindus, astrólogos, leitores de Paulo Coelho e demais compactuantes da crença no destino. Não haveria coincidências, acaso, acidentes. Fatos e emoções estariam todos registrados num livro previamente escrito pela Providência ou algo transcedental a esta esfera terrestre. Os que crêem no destino são inegavelmente confiantes, portadores de fé inabalável, de um brilho nos olhos latente e invejável serenidade. Por outro lado, o excesso de certeza nas cartas marcadas do Jogo da Vida pode levar ao fanatismo ou à inércia para transformar, evoluir. Acreditar no acaso seria talvez o avesso do sentimento dos destinistas. Acaso é para os que nutrem interesse pela aventura de viver sem rédeas predestinadas, responsabilidades assumidas ou culpas. Materialistas, desapegados ou simplesmente amantes da coragem de mudar e interferir no futuro, ignorando o peso das circunstâncias. Afinal, o livro dos dias já vem publicado ou nos oferece páginas em branco? Somos meros personagens obedientes do roteiro da Providência ou senhores da vida expostos às surpresas e aos imprevistos da Sorte? Frente à incoveniente dúvida filosófica - responsável por boas crises existenciais -, talvez caiba um meio-termo. E chamam-no livre-arbítrio. Confia-se nas linhas traçadas pelo Alto, embora se tenha certeza de que a própria mão ajudou a escrevê-las, dando plenas liberdade e responsabilidade sobre o que se faz, mesmo nas mais inocentes curiosidades da vida. Espiritualistas, reencarnacionistas, filósofos pós-modernos ousam assumir o lápis em punho. E nós? Lemos e dizemos amém; rabiscamos as folhas brancas ao nosso bel prazer ou assinamos embaixo? Se, por acaso, acreditar em destino, esteja livre para arbitrar e optar.

8 de março de 2009

O que é isso, companheira?


É certo que ninguém escapa da lei da evolução; nem as portadoras do pecado original, que já sofreram um bocadinho até se descobrirem gente. Pois que hoje, Dia Internacional da Mulher, me apercebo dessa minúscula subida no degrau da maturidade. E não por nos considerar superiores aos homens, senhoras da razão e detentoras do poder. O bom é justamente sacar que somos equivalentes, complementares e singulares, o que nos deixa na segura condição de sorrir e agradecer os parabéns por uma data como esta (em vez de se armar e atirar algo como: "todo dia é dia da mulher!"). Não, não lavo cuecas que não sejam do meu filho (que vai aprender a fazer sozinho em breve, claro). Mas não vejo mal em preparar uma comidinha, ajeitar a gravata ou encher a tulipa durante o futebol domingueiro. Acho dignas coisinhas de mulher mesmo, fofoquinha, creminho, sensibilidade, medo de sapo, revista da Natura, dívidas por causa de roupas. Também não admiramos vê-los cuidando da barba, lavando o carro, abrindo para nós a porta e matando a barata? Para ir mais longe: a culpa das besteiras que falam sobre as mulheres é da mulher. E mais: machismo é coisa de mulher. Pior do que os trogloditas que nos subestimam são as danadas que desonram a classe. Amélias, Helenas, loiras-burras, periguetes, marias-gasolinas, sacos-de-pancada, cascavéis, cachorras, golpistas...os rótulos ajudam a ilustrar. E, se a gente fala tão mal dos homens e suas cretinices, por que não reconhecer as frutas podres no nosso pomar e levantar a bandeira da mulher de verdade (mané Amélia!)? Entrar para o movimento, invadir latifúndio, pegar na enxada e erguer a foice contra a falta de feminilidade das fêmeas! Fofoqueiras te contando os podres de uma companheira de luta? Chama de mal amada e manda passar direto! Esposa se queixando do marido opressor? Recomenda um novo sabão em pó, já que ela parece desconhecer a palavra divórcio. Uma perua bêbada na festinha com despeito e desrespeito (e falso peito!) para com as semelhantes na fila do xixi? Deixa entrar no banheiro químico e dá uma sacudida - a turbulência pode colocar os neurônios para funcionar! Armar-se de orgulho contra os homens é fácil e corriqueiro, mas uma estratégia burra. Ser mulher é saber aproveitar a sensibilidade e o jeitinho delicado para lidar com os mesmos problemas e bombas por que passam os homens e sem estragar o esmalte. É aceitar que a força do nosso sexo está justamente no poder de exercer a fragilidade para garantir a firmeza do nosso caráter e a fortaleza do nosso coração. Sin perder la ternura jamás!

3 de março de 2009

Azul


Azul é ver céu sem nuvem, mar sem sargaço, estrada sem buraco, ponto sem nó. Azul é esperar sem ansiar, nadar e respirar, chegar sem voltar. Azul é vermelho na boca, cintilante nos olhos e dourado no peito. Fechar os olhos e ver azul...e nele mergulhar, sem medo de misturar e virar verde, diluir e ficar claro, borrar e ser feio. Se viver pode (e deve) ser colorido, escolher o azul é trazer pros olhos partículas turquesas de céu e pra alma um tanto de emoções anis.

13 de fevereiro de 2009

Planeta Carnaval

Quatro dias para se libertar dos papéis sociais de filha, chefe, marido, desempregado, desportista, rico, pobre. A fantasia de Carnaval pode servir bem a esse intuito de muitos. Personas que, nesta época gloriosa, dispendem eforços, cédulas e neurônios para encontrar o look mais irreverente e bonito, mas que também investem no maravilhoso poder de Momo para esquecer a rotina e vivenciar um mundo paralelo de alegrias e alegorias. A escolha dos adereços denuncia, portanto, quem você deseja ser nesse adorável mundo novo. O super-herói que tudo pode e tudo faz; as sedutoras dançarinas de cabaré, vampiras e diabinhas; os palhaços bonachões. Ao fincar o pé na cidade ladeirosa, abre-se a passagem secreta para esse universo platônico, onde a máscara eterniza o sorriso e a purpurina passa a ser o seu sangue e seu suor. Lá não tem classes sociais, responsabilidades, medo, timidez, intriga, inveja. Plumas nos dão asas, cores nos fazem bons, músicas nos tornam irmãos. Dar adeus a esse mundo, nas Cinzas, é triste e melancólico, pois a vida real não permite felicidade. Roubamos, portanto, punhados de confetes pisados, pedaços de chita suada, um batom quebrado...com a intenção de, vez em quando, na clandestinidade, vestirmo-nos da alegria que esta realidade ainda vai experimentar, numa época vindoura, quando formos verdadeiros pierrots e colombinas, passistas a bailar. Enquanto não chega esse mundo ideal, sejamos uma versão melhorada de nós no planeta Carnaval.

11 de fevereiro de 2009

Vacina de coração


O mal de abrir um coração aparentemente protegido, diante de pequenas emoções, é que elas podem evoluir em proporções não permitidas. E, se são proibidas, pelo risco que causam à também aparente estabilidade emocional, devem ser reprimidas? Ao responder que "não, só dessa vezinha", sob a desculpa de não haver perigo, damos a brecha que o tal músculo involuntário precisa para tomar conta de todo o resto. Instalado o vírus emocional, não há anticorpos que defendam as mãos de tremer, a mente de se confundir e o peito de doer. Quando se opta pelo equilíbrio, pela calmaria cardíaca, não é bom soltar as amarras. Precisa-se de vacina, e ela só pode ser fabricada, como no caso das cobras, a partir do nosso próprio veneno. Buscar o antídoto dentro do coração vagabundo, que quer guardar o mundo em si: eis a fórmula. Repressão, auto-controle, distância, meditação...vale tudo para não quebrar em pequenos cacos o que já não suporta mais remendos.

8 de fevereiro de 2009

The Best

O problema está em querer ser o melhor em, pelo menos, uma coisa; a Síndrome do Especial; a mania de crachás e títulos (talvez medalhas e troféus). Embora muitos de nós declaremos simplicidade, falta de espírito competitivo, cuca bem resolvida, queremos, a todo custo, ser lembrados por alguém como referência disso ou daquilo. De preferência, que esse alguém nos ache a mulher ou o homem da vida dele, mesmo que já esteja em outra. Ou também podemos ser os melhores amigos, os grandes filhos modelos, as paixões devastadoras e memoráveis. E tudo o mais que nos faça acreditar que somos mais do que um palito de fósforo na caixa plena. Contos de fadas, incentivo dos pais na infância, competições desportivas, vestibulares...os fatores externos até que podem contribuir para a nossa vontade de ser mais e melhor. Mas essa necessidade de marcar, tatuar, incomodar, abalar só denuncia nosso descrédito frente ao espelho. Nossa auto-estima pode até nem estar lá embaixo, todavia não se pode considerar o bom estado diante dessa cobrança incansável por destaque. Pode não ser como a gente quer nem com os louros sonhados...mas certamente somos bons em alguma esfera; e não necessariamente precisamos ser melhores do que os outros. Quem precisa da comparação com terceiros para acreditar-se bom carece de aprender mais um pouco sobre como estar bem consigo. Ela está com outro, ele escolhe outras, ela não se importa comigo, ele não me percebe...deixa estar. Com as voltas deste mundinho redondo, não há vencedores, derrotados, nem mesmo as batatas. Nossas escolhas e até certas interferências supremas nos farão subir ao pódio na maratona por nós mesmos. E, se precisamos de troféu, que ele seja não dourado do reconhecimento alheio, mas reluzente o suficiente para fazermos bem com o pouco que somos.

24 de janeiro de 2009

Pior cego é aquele que não quer ver


Existem mais coisas entre o cérebro e a retina do que supõe nossa vã filosofia. Mas uns supõem mais do que outros. Alguns menos. Ver, observar, perceber e compreender nem sempre são verbos similares/complementares ou mesmo coexistentes. Para cada fato concreto corresponde uma visão abstrata, uma danada de uma interpretação que teima em distorcer, super ou subestimar e até inexistir em determinados casos. A visão turva, essa miopia triste ou um astigmatismo crônico acontecem muito quando os fatos envolvem emoções atrapalhadas do coração. E é por culpa desses males que ficamos cegos perante o óbvio, muitas vezes. Alguém que vê o desinteresse do outro e, esperançoso, desenvolve uma hipermetropia capaz de enxergar além dos fatos, enganar-se com miragens provocadas por sua sede não satisfeita ou correspondida. Outrem que sequer altera suas impressões oculares diante da paixão escancarada de quem ocupa a ala de amigos no seu peito, mas gostaria de visitar cômodos mais quentes. Pior cego é o que não quer ver...porque ele enxerga, mas não assimila. Percebe, mas não crê. O que vê é o que deseja, o que satisfaz seus olhos como colírio. Lentes corretivas, filtros, películas, líquidos que desembacem: vale tudo para olhar o que existe de fato. Ver o óbvio e se convencer pode poupar boa parte das desilusões, próprias ou alheias. Óculos podem até dar charme e distinção. Mas nem todo cego gostaria de poder usá-los.

22 de janeiro de 2009

Filosofia de praia


A - Pois eu só uso maiô. Na verdade, apesar de não gostar do meu corpo, faria plástica no nariz.


B - Eu tb. Só para afilar mais. Se bem que uma lipo seria perfeita. Um dia farei.


C - Na boa, eu mudaria muita coisa no meu corpo, pois sou cheia de defeitinhos. Mas, com o valor de uma plástica dessas, faria uma viagem massa.


B - Mas levaria o corpo junto.


C - Antes um corpo feio em Paris do que um lindo por aqui.


A - Se você fizer plástica por homens, realmente. Tem que ser por você, pra você se gostar.


C - Mas eu me gosto. Não tenho problemas comigo. Se os homens tiverem, eles é que não são páreos para mim!


A, B - Isso! Outra cerveja então!


16 de janeiro de 2009

Fim de novela


Mulheres grávidas, casais felizes e pessoas ricas. Nem sempre assim terminam as novelas. Principalmente as da vida real. Semelhante às mexicanas, as historinhas de carne e osso têm dramas previsíveis, mas os capítulos derradeiros podem não incluir filhos bastardos, parentescos inesperados e incríveis descobertas. A vida crua tem de seus finais, embora muitos ainda não tenham atentado para seu caráter cíclico e para a ausência de "pra sempres" e "nuncas mais". Conclusão de etapas, pois, podem ser encaradas como términos, fins de linha, the end, e tal fato não precisa ser necessariamente ruim. Mudar de emprego, acabar o namoro, trocar de endereço, desprezar hábitos antigos. Todo fim implica começo, e começo é sempre delicioso. Dois amigos, de sexos opostos, estão sofrendo por descobrirem finitos seus respectivos relacionamentos com pessoas que julgavam suas. Idéias de posse, de exclusividade e de fatalismo tornam mesmo as rupturas difíceis. Melhor pensar que tudo pode ter fim, que o dia de amanhã é incerto e que ninguém (ou nada) é de ninguém. Dessa forma, o peso do fim não nos arremessa ao fundo do poço e terminar algo só vai dar a sensação de aprendizado para novos começos. Há algo melhor do que renovar a esperança no desconhecido, sem temer a drasticidade dos fatos? Mocinhos e vilões, bonzinhos ou psicopatas, coadjuvantes ou protagonistas. Precisamos apenas de um bom roteiro e de finais imprevisíveis.

2 de janeiro de 2009

Promessas


Lista de metas 2009 (mesmo nível de "querido diário"?)


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6 - Escrever mais no blog.


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