Versos Canhotos
Pedem-me versos
Melodia, rima, métrica
Ou qualquer leitura rica
De emoções que a prosa não sabe explicar
Pedem-me versos
Amores de Florbela
Rainhas de Neruda
Dores de Pessoa
Como se a eles pudesse chegar
Sem o merecimento do sublime
Pedem-me versos
Daqueles que engasgam ou dão soluços
Dos de fazer doer
Ou dos de cessar
Mas, finda a dor, onde achar inspiração?
Se a vida e seu "não" é que faz verter palavras
Se quem dá emoção ao papel é a desgraça
O não ter, o conter, o implodir
O deixar fluir vazios que mantêm o peito cheio?
Peçam-me versos
E não percebam o papel borrado
Ou o que nele esteja estampado
Que nem é dor nem fim do túnel
Parece apenas o infortúnio
De música sem clave de sol
De amar sem rima e sem dó
Perdoem-me os versos
Os que ensaiei e os que não fiz
Pois versar é desatar nós
E para seguir em frente
Às vezes é prudente atar firme
Aqueles laços acetinados
Barbantes cintilantes de sentimento inconfesso
De orações escondidas
Das paixões proibidas
Pelo pecado que é ver poesia
Onde só deveria haver prosa
Vida Vizinha
É difícil dormir à noite
Fechar olho e mente sem peso
Cessar pensamento e desejo
Livrar coração do açoite
Triste ter de apagar a cabeça
Quando a alma se põe levinha
E a história de uma vida vizinha
Passa em filme e vela acesa
E os sorrisos adoçam a tela
Campos de flor, cabelos ao vento
Vida de cor e luz é aquela
Lá floresce o que a vida perdeu
E não se permite ouvir lamento
Posso ser tudo do amor que é meu
Seco
O gole é seco, mas o sangue, rubro
Entra assim sem cerimônias teu desejo em mim
Tanto que, às vezes, sorvo e nem percebo
Quanto és tu e quanto sou eu nesse mar sem fim
Nesse sempre inquieto embaçar de lábios mudos
Faz-me triste ou faz dormir
E em Morfeu tanto repousei apenas por tua embriaguez
Fora dela não houve salvação
E talvez nem haja agora maior sensatez
Sei apenas meu não querer ser menos
Que tuas medíocres musas o são
Um complexo de Dionísio paira em meu sangue
E não ver paisagem sob nós já faz vão
Todo o sentimento puro
Todo o amor maduro
Que oferto assim sem querer
Para evitá-lo preciso beber
Mais um gole apenas de tu, vinho
Para esquecer meu solitário caminho
Que nego a tantos somente por saber
Nome e sobrenome da perdição
E só resta clamar à razão
Que me ajuda a dizer que é não!
Que apesar de tão forte empatia
Da nobreza cúmplice de todo dia
Não são meus os teus sabores mais fortes
Nem tem cheiro de mim tua sorte
Sai, então, pelo suor, pelo calor!
Assim some fatiada essa dor
Que teus cálices homeopáticos me causam
Toda noite antes de deitar
Vinho espesso, noite longa
Dia triste, longe e perto
Me ajuda a te tirar
De tudo o que seja íntimo
Mesmo que a retina registre em tortura
O líquido cruel de teu sorriso
Me tira essa verdade dura
Que agora não mais reinará
Vinho, embriaga-me mais uma vez
Que amanhã sem ti vou acordar.
Agonia
Ainda que em outra hora
Até mesmo distante
De dentro para fora
Mais tarde ou já agora
De um jeito que silencie
Esse soluço constante
Existes, logo eu penso
Não tem jeito, nem espaço nem tempo
É bem aqui onde mora
O céu, o mar e o vento
Já que a noite esconde a aurora
Quando amanhece meu lamento
Por um momento só eu peço
Para esquecer aquele dia
Para não querer nem mesmo um verso
Mas, persistes, perverso
Naquela outra noite fria,
E no dia seguinte, sem fantasia
Invadiste meu universo
Por só um momento eu peço
Sai de mim, dessa agonia
Só por hoje, eu apelo
Desocupa minha poesia
Condição
Se é o que move o peito, vira
Se é onde te encontras, mora
Se é como queres, faz
Se é pra quem vives, volta
Se queres saber, tenta
Se tentas achar, procura
Se te inquietas, arrisca
Se tens gana, abraça
Se for por Deus, ora
Se for por fogo, peca
Se for por vaidade, afasta
Se for por mim, vem
Sem Sombra
É hora, tira a máscara
Quero ver o que a alma esconde
O porquê de não ter sido nada
O para quê e o por onde
O sem nome
O sem mais
Encara sem perigo
Mostra agora a que te destinas
Qual o intuito do teu mistério
Observa meu pescoço exposto
Crava-lhe os dentes se te agrada
Mas a noite vai se acabando
E terás de comprar cigarros à luz do dia
Quem serás ao sol fervente?
Por que vens, se não te chamo?
Não nega, pois, esse confronto
Do intangível com nosso respirar
Se não és o que me pregaste
Temas não meu indicador, perdido em tua capa
Que sejas de outro nome e outro rosto
Um jardineiro, uma senhorinha
Já floriu, não tenhas medo, toda a essência que me faz súdita
És certeza, embora não existas
Mostra as mãos, mesmo calejadas
Toca, ainda que geladas
Pois conquistaste a paz dos meus dedos quentes
E te ofertarei um lenço ou uma bengala
Um café ou conversa fiada
Se fores só tu, sem sombra e de alma.
Charllote (Para Olivete)
Linda, pequena,
Passarinho de mil asas
Olhos de espelhos e pratas
Tão brava que serena
Navega, adiante, Helena
Constrói muros e casas
Tuas Grécias desenhadas
São teu palco, entra em cena
Menina de alma grande
Aparece, aos céus te lança
E faz o ontem ficar distante
Mostra a todos o teu dote
Transcende, avança
Que teu nome é Charlotte
Cafuçu é Rei
Palitar os dentes, pagar suvacão
Arrotar alto, cuspir no chão;
Coçar o saco, sentar de perna aberta
Camisa regata, fortinho ou fortão;
Suor e perfume enjoado, trancelim dourado
Crucifixo e escapulário, camisa de botão;
Óculos de caminhoneiro, riso safado
Pochete ou capanga, todo machão;
Paga a conta, abre a porta
Chama de princesa, curte um sambão;
Estampado com listrado, bolinha com quadrado
Verde e azul;
Chapéu de vaqueiro ou boné; havaiana ou mocassim no pé
Cuscuz e angu;
Pouco requinte na mesa; atitude e domínio na cama
Cana com caju;
Coragem, respeito ao freguês; Não sei vocês
Mas I Love Cafusú!
Chuva
Tão ingênuo acreditar
Que a vida será diferente
Se na alegria já se pressente
Estrondo grave, trovão do penar
E por que, ao se assustar,
A gente não se defende
E se protege, demente,
Para não ter de enxugar
A chuva, que teima em cair
Relâmpago claro a partir
O peito já dolorido?
Mas não adianta entender
Por que se merece sofrer
Se tudo já foi diluído.
Sem Mais
É pra não admitir que o coração ainda pulsa
É pra esquecer que sou chama
Pra esconder que o corpo clama
Por motivos que não ouso dizer
Pela mea culpa de sentir
Tudo o que só quero reprimir
Pra que não precise perder
E perco, mesmo assim, o chão
O pão, meu não, o colchão
Onde fizemos o silêncio acender
No plural conjugar, o orgulho quebrar
E o proibido não ser
A saudade que agora me engasga, no entanto
Entrega a meu pranto a falta cravada
A paixão domada, a frieza roubada
Não sou inocente, encantada
E sufoco, apagada
Aprendi a não ter
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