30 de setembro de 2009

Homens desinteressantes


Se fosse cena de filme provavelmente aconteceria num fim de tarde nublado, em Nova Iorque, biblioteca, com uma esbarrada daquelas em que se derrubam livros e papéis infinitos. Foi, todavia, no meio da escada do trabalho; ele subia, ela ensaiava descer. Diante do semblante cansado daquele senhor que ofegava, desistiu do caminho e ofereceu-lhe um copo d'água, gesto que, esforçando-se, agradeceu com um encantador: “é muita gentileza sua”. A mocinha o serviu com estranha satisfação, e quedou-se pensativa durante toda a tarde. Por que simples doçura de um senhor de 80 anos a surpreendera com tão intensa sensação de prazer? Mais tarde, refletindo em grupo, percebeu que o fato lhe pareceu distinto somente por ter fugido à regra de tratamento ofertado por parte da maioria dos homens que a ela se dirigiam ultimamente. Não que inexistissem rapazes e senhores educados; contudo, tanto eles teriam se esquecido da gentileza típica dos distintos homens antigos quanto as mulheres haveriam se acostumado com o moderno jeitinho inconveniente ou de pouca sensibilidade dos marmanjos. Depois da prosa, pensava, no caminho para casa, em como os homens tinham se tornado não só desajeitados, mas desinteressantes. E como era triste admitir o fato! Por outro lado, aliviava seu coração perceber a razão pela qual não tinha gana de se envolver com nenhum dos tantos que a cortejavam. Bonitos, espertos, carinhosos e até gentis; mas de longe pareciam com os antigos cheios de cortesia para com as moçoilas. É verdade que as conquistas da autonomia feminina contribuiram para o tratamento "como igual" dado às garotas, mas ser encarada como parceiro de cerveja nunca deixou qualquer mulher encantada, com face rubra, pelos arrepiados ou coração nervoso. Talvez fosse a saudade desses sintomas que a desestimulasse com os pretendentes. Respeito, gentileza e finesse estariam fora de moda. Mas nada tão antiquado quanto esperar que as mulheres se sensibilizem com o pouco esforço de los hombres. Descera da condução sem pressa. Observou as flores da praça que pouco percebia no roteiro casa-trabalho, achou graça das crianças que brincavam com os cães na vizinhança e sorriu. A culpa não era dos rapazes, mas dela. Daria menos importância aos que não a faziam parar como o senhor das escadas. Os degraus, certamente, a conduziriam a andares mais altos.

2 comentários:

Adriana Areias disse...

Amei a historinha, me parece bem familiar!!!! KKKKKKK
Vc é mestra na arte de criar/fantasiar histórias.

solin disse...

faltou indicar uma trilha sonora. mas criei uma: ana cañas..

a nossa postura, na maioria das vezes faz toda a diferença: damos mais enfase ao que não nos excita com seus pqs e pqs, mas eis reflexão maior: ir pelo outro caminho. o das escadas, pode ser.