26 de dezembro de 2010

Mulheres ruminantes

Pode guardar no bolso a piadinha óbvia de deduzir da expressão a figura vaca. Trata-se sim de pessoas que ruminam, de mulheres que ruminam algo além do capim - igualmente propício a exaustivas mastigadas -: sentimento. Era assim que ela se sentia, disse à amiga enquanto brincavam. Sim, após uma noite de vinho, Roberto Carlos, castanhas e muito chocolate, restava-lhes o desafio de montar o brinquedo novo das crianças, que, apesar de recomendado para a faixa a partir dos 5 anos, custou-lhes de 40 a 60 minutos. Era como tentar compreender aqueles homens - matos indigestos que, sabe-se lá como e por que, estavam ali nos compartimentos estomacais do coração. "- Estranho como realmente me sinto ruminar todos os amores. Posso sentir o gosto amargo agora mesmo", traduzia. Talvez por reflexo, a amiga pôde sentir certo fel nas papilas gustativas. Ruminava também mágoas de outrora e de pouco atrás, todas juntas, como formassem um musgo travoso de umbu-cajá. Devia ser o fim de ano. Ou o vinho que avinagrava depois das tantas. Sentiam-se, no entanto, empachadas mais de um sem-fim de frustrações do que qualquer alimento em demasia. Talvez fosse a hora de digerir de vez ou de botar pra fora cada rancor mal engolido, cada azia suportada, cada amor posto goela adentro. Podia ser difícil como o jogo de montar infantil. Mas havia de se conseguir, mesmo que muito tempo depois do limite recomendado para maiores de 5 anos.

19 de dezembro de 2010

O adeus e o por-do-sol

Mal lhe disse adeus, embora quisesse seguir com ele, ou mesmo aceitar o seu até logo. Se fosse um logo. Não pôde, no entanto, usufruir da dor daquela despedida. Não porque ele não soubesse que se tratava de uma, mas por causa da mania dela de sufocar. Engoliu o fim, como sorvera antes tantas vontades, mágoas, goles de um amor que não se ia. Não podia chorar aquele último ato de algo tão intangível quanto real. E, por isso mesmo, tão difícil de se esquecer. Pior seria insistir nas ilusões que se alimentavam a cada cotidiano compartilhado, cada sonho fabricado, cada doçura exalada. Perto dos açoites da realidade, elas mais do que morriam, matavam. Que explodissem dessa vez! Não podia mais ser tão feliz ao seu lado sem estar, de fato, ao seu lado; e, portanto, estar tão triste. Sentir-se tão plena nas esmolas do tempo que ele lhe doava, e tão partida a cada ausência cruel. Chegara o momento de ir, mesmo que ele nem se desse conta. Estariam ambos ainda tão perto - e os sentimentos solitários ainda tão atados àquele que a idolatrava de um jeito tão sagrado que doía...O futuro, no entanto, a chamava para outros tempos. Outros sonhos, talvez. Sabia que as tardes não teriam o mesmo gosto de vida. Mas havia chegado a hora de desvencilhar-se daquela vida alheia, que pertencia a outras tantas que não à sua. Que os dias não fossem tão cinzas sem o sol que tanto se pôs a nascer na sua janela. Que o porvir trouxesse a paz necessária a um entardecer ameno.    

9 de dezembro de 2010

Eu ego

O povo diz que é coisa de gente que tá ficando velha. Mas que neguinho se garante muito mais sendo um tiquinho egoísta, isso é verdade. Nada de deixar de pensar no próximo, de ajudar os neessitados...sim, é isso: ne-ces-si-ta-dos. Dar a quem precisa é mesmo do bem. Porém pra que ficar ajudando todo mundo que não carece tanto assim? Tecla SAP:  você não perde uma comemoração de aniversário dos seus 593 amigos virtuais, mesmo que te custe dinheiro pro presente, conta do bar e horas de sono. Seu ombro está sempre à disposição daqueles que acabam o relacionamento e querem morrer, mesmo quando eles reatam no dia seguinte, quando obviamente você já perdeu toda a programação antes planejada. Sempre sai da dieta para acompanhar aquele amigo na cerveja, porque ele está "precisando mesmo relaxar", sendo que a balança ri da sua cara, enquanto ele se serve, satisfeito, de sopa de ossos por aí. Corre-se o risco de parecer uma coisa Maria do Carmo (Vale Tudo), mas vamos lá: e o que você ganha com isso? Quem disse que, pra ser legal, é preciso sustentar vagabundo, ser usado por volúveis e inseguros de plantão, perder noites de sono e ingerir calorias a mais porque os outros coleguinhas precisam satisfazer seus desejos imediatos? Jesus é que não foi, né? Consideração? E eles estão tendo por você, que tá no vermelho, devendo até a alma (penada), se acabando de gastrite e deixando de estudar praquele concurso? Por você, que finge orgasmo pra não noiar o parceiro fraco?  Ou por você que vai casar porque prometeu ao bichinho? Vai arrumar um lugar no Céu pelos sacrifícios feitos em prol de paspalhos mesquinhos parasitas dos infernos? Rá. Pois que seja velhice então. A ordem é priorizar pronomes e verbos em primeira pessoa. A moda é dar a egípcia nos sanguessugas de bonzinhos e distribuir alguns nãos. A boa é pensar se "foi bom pra você, meu bem". Mirem-se nos exemplos daquelas crianças de Atenas. De qualquer lugar. Possuem o mais saudável egoísmo, o mais puro respeito ao eu: "é meu". "eu não vou receber também, não, é?". "é minha vez de ganhar". "sou eu o melhor". Infantilizemos nosso ego. Sem soberba, mas com a satisfação do cliente garantida. Ou seu dinheiro de volta. 

26 de novembro de 2010

É 8 ou 80

É porque a coluna do meio sempre me angustiou. Ou pela agonia de ver minha mãe sempre partir o remédio na metade, contrariando a bula. Sei lá se também tem a ver com a mania de números pares. O fato é que o Seu Lunga que há em mim estimula a característia 8 ou 80. Aquela que chamam radical. Ou dramática. Ou impulsiva. Tem suas desvantagens ser prática. Deixamos de apreciar algumas nuances entre as dezenas que dão nome a essa expressão que qualifica as pessoas mais peif-bufs. Por outro lado, essa história de ficar sempre no mais ou menos, no não sei e no quase lá geralmente tende a ser atraso de vida. Inseguranças, dúvidas, angústias intermináveis ou mesmo demasiado uso da expressão "veja bem" definitivamente me dão a sensação de perda, ou melhor, desperdício de tempo, de palavras e de emoções. Tão melhor dar logo a real, desprezar as meias palavras e evitar enrolações, não? Claro que esse perfil de gente pode assustar, principalmente pelas escolhas sentenciais. Feito o avô de um certo carinha, conhecido, na infância, como Pedro Doido. O velho tava descendo a ladeira, no carro, com o neto, quando descobriu que o freio não funcionava. Não teve dúvidas: acelerou. "Vô, tá acelerando por quê (mô véi, teria dito ele se o fato ocorresse nestes nossos tempos)?". "Ah, Pedrinho, porque desgraça só presta muita". E é mermo. Antes um pé na tábua do que um pé na bunda, na cova ou no meio de qualquer coisa.

17 de novembro de 2010

Homem-preá: pega, mata e come

Era um papo ameno, daqueles de hora do almoço, mas a mesa se calou diante da revelação que se dera por meio de conversa paralela na ponta esquerda. "Pois eu já matei, tratei e comi um preá na infância". Teria sido mais uma história de pescador (ou de caçador), não fosse o tom despretensioso do rapaz. As moçoilas logo se interessaram pela história, e, ao final, conferiram-no o diploma de macho. Os outros riram, e até contaram causos parecidos, mas o fato que não compreendem é como a macheza se configura sutil. Ao contrário do que pensam alguns aspirantes a homem com H, a maiúscula não está em ferramentas físicas (que - algumas vezes - deve frustrá-los tanto que tentam se valer de outros valores...que raramente possuem também. Vide post futuro sobre "o fino" da bossa). Cafucices dignas mesmo são essas coisas que só homens teriam coragem de fazer, e o fazem naturalmente, sem querer forçar ou impressionar. Algumas malvadezinhas na infância, aventuras no melhor estilo Indiana Jones, histórias do Quartel, bobagens risíveis que contam entre amigos. Pena que, na tentativa de parecerem o Macho Alfa, muitos espécimes forçam um ar de machão ou com atitudes grosseiras ou nos comentários machistas ou simplesmente arrotando aos gorilas afins o quanto são bons de cama e quantas mulheres eles podem pegar. Coincidentemente, os melhores exemplares - em todos os sentidos - são Hs de nascença, de dignidade e de sabedoria. Esses não precisam provar, postar fotos com mulheres e bonecas infálveis para dar satisfação à sociedade de sua capacidade de conquistar (e manter!) alguém. Os outros riem de lado, e voltam à sua vida de verdade. As mulheres "true" agradecem.  

9 de novembro de 2010

Ele(s) e a(s) periguete(s)

Mal se acaba de rir do gosto de um amigo pelo que chamamos de xamboqueiras - vulgo carne que quinta, sem relações com classes sociais, cor de pele ou clafissificações do tipo, please  - observa-se, no ciberespaço (sempre ele, maldito!), mais um episódio da novela Eu gosto mesmo é de periguete. O galã?(????): criatura amigável reprodutora do discurso "Não priorizo o sexo, pois já tive relações fracassadas baseadas nisso. Quero mesmo conhecer a pessoa primeiro". A moçoila? Periguete das boas, no melhor estilo "faz de conta que sou pra casar". Pois, pois. Assim como o rio corre pro mar, a vaca pro brejo e o arroz pro feijão, os rapazes interessados na pureza feminina - para contrabalançar sua safadeza pesada, claro - sempre acabam descambando para as periguetes. E é incrível como acreditam ter encontrado a virgem imaculada ou ente afim. Somente após uma penca de galhas, chega a dor da (quase) realidade, afinal, ele ainda terá certeza de que a culpa foi dele. Pobres galãs, que acreditam estar fazendo as escolhas certas, ao desprezarem essas meninas modernosas  - que só pensam em sexo, vejam só! -  para dar vez às periguetes com asas de anjo e fogo na bacurinha. Mas santa mesmo é a ignorância! E que se divirtam com a música de Chico Buarque:

Sob medida

Se você crê em Deus
Erga as mão para os céus
E agradeça
Quando me cobiçou
Sem querer acertou
Na cabeça
Eu sou sua alma gêmea
Sou sua fêmea
Seu par, sua irmã
Eu sou seu incesto
Sou igual a você
Eu nasci pra você
Eu não presto
Eu não presto
Traiçoeira e vulgar
Sou sem nome e sem lar
Sou aquela
Eu sou filha da rua
Eu sou cria da sua costela
Sou bandida
Sou solta na vida
E sob medida
Pros carinhos seus
Meu amigo
Se ajeite comigo
E dê graças a Deus
Se você crê em Deus
Encaminhe pros céus
Uma prece
E agradeça ao Senhor
Você tem o amor que merece

7 de novembro de 2010

Ambiciosa


Para aqueles fantasmas que passaram,
Vagabundos a quem jurei amar,
Nunca os meus braços lânguidos traçaram
O vôo dum gesto para os alcançar...

Se as minhas mãos em garra se cravaram
Sobre um amor em sangue a palpitar...
- Quantas panteras bárbaras mataram
Só pelo raro gosto de matar!

Minha alma é como a pedra funerária
Erguida na montanha solitária
Interrogando a vibração dos céus!

O amor dum homem? - Terra tão pisada!
Gota de chuva ao vento baloiçada...
Um homem? - Quando eu sonho o amor dum deus!...

(Florbela Espanca)

1 de novembro de 2010

A gente acaba perdendo o que já conquistou

É triste mesmo assim. Comemora-se vitória política significativa e indispensável à evolução de uma nação e, ao mesmo tempo, chora-se pelos que ficaram no caminho. Não os que foram com os anéis, mas aqueles que escorreram por entre os dedos. Por mais que os ânimos estivessem acirrados, quando dos momentos de discussões construtivas acerca de porquês e destinos que permeiam um povo historicamente oprimido - e que, aos poucos, tem conseguido se libertar das velhas correntes físicas e ideológicas -, muito podia ter sido calado. O fato é que não se trata de opiniões distintas sobre gostos, músicas preferidas, times de futebol. São os mais sinceros valores que se mostram em momentos decisivos. E, por mais que se respeitem as diferenças, alguns laços - talvez frágeis desde o início, mas disfarçados por cores cintilantes - se rompem efetivamente. Murros na mesa, frases grosseiras, provocações no ciberespaço...tudo muito feio. Como voltar à mesma mesa com ela? Ou encarar as sessões de cinema ao lado dele? Velhos amigos, de muitos anos atrás...Mas vale tudo pelo ideário político? Ou vale tudo pela amizade consolidada? Penso que temos de refletir sobre nossas posturas sim...mas, por outro lado, é relevante observar os discursos reproduzidos por aqueles que, por amarmos, parecem-nos semelhantes. Talvez o problema esteja aí: procuramos as semelhanças e fechamos os olhos para as diferenças. Essas construções costumam ruir em situações-limite. Mas as fotos não as rasguemos. Calibremos, portanto, nossos limites. Ampliemos a faixa da nossa tolerância. Ou sejamos apenas menos amigos do nosso orgulho ferido.

4 de outubro de 2010

Bote fé e diga Dilma

Nem vai ser aquela argumentação enfadonha. Nem desabafos típicos da época. Respeitadas as opções e opiniões, venho, por meio deste, reafirmar meu apoio à presidente Dilma. É verdade que ela não veio de um pau-de-arara. Nem tem um discurso altamente eloquente e apaixonado. Que não faz as gracinhas já conhecidas e admiradas pelo mundo. É verdade que Dilma não é Lula. E já estamos sofrendo a dor da separação. Um sentimento de perda antecipado. Um morrer de véspera. O herói nacional se despede. E não digerimos muito bem qualquer substituto que se atreva à tarefa. Mas o fato é que ela existe. E, embora não tenha aquelas barrocas e a barba branca, é uma guerreira, tem pulso para comandar o Brasil e está disposta não a repetir o Governo Lula, mas a levar adiante esse projeto "nunca antes visto na história deste país". Dilma não é o anticristo, como covardemente vem sendo pintada por ignorantes hipócritas ditos cristãos. Nem é a candidata fraca do PT, partido do qual muita gente tem vergonha de admitir pelas acusações mentirosas feitas pela imprensa maldita. Deixar de votar em Dilma, cujo plano de governo é a continuidade do vitorioso modelo Lula (precisa dizer por quê?) por achar que está fazendo bem à democracia pela criação de uma terceira via ou coisa do tipo é dar a chance de o passado sofrido, corrupto, privatizável e elitista governar novamente. Retrocesso. O mundo se abriu para o Brasil, a educação teve avanços admiráveis, o enfrentamento ao FMI e o fortalecimento econômico são incontestáveis. Cadê Regina Duarte? Digo-lhe que hoje eu tenho medo. Do passado. De Serra. E de quem reproduz a Alegoria da Caverna...quem viu a luz será derrotado pelos que insistem no escuro? Espero que não. Que venha Dilma, aquela que será a mulher mais poderosa do mundo, segundo o The Independent, ou a mãe do Brasil, como sugeriu nosso querido Lula. É só você querer/ que amanhã assim será / Bote fé e diga Dilma!

21 de setembro de 2010

O Bem contra o Mal

Acho que agora entendo porque deixei de me emocionar com filmes, gibis e músicas sobre super-heróis. Sim, talvez porque eles não existam também. Mas porque acreditar nessa coisa do bem que sempre vence o mal era questão de fé. A do He-Man era hino: "Eu tenho a força/Sou invencível/Vamos, amigos/Unidos venceremos a semente do Mal". A do Thundercats arrepiava: "Mas só quem luta pelo Bem é invencível/A chama da justiça nunca vai se apagaaar". À medida que o mundo tornava-se mais cão, ficava difícil esperar pelo Gato Guerreiro ou o sinal da espada de Lion. E olhe que perder a fé na justiça é enterrar outras grandiosidades cósmicas como a felicidade, a paz e até Deus. Pagar o mal com o bem, amar os inimigos, entender que o Universo conspira a favor de quem é bom - nada fácil em tempos de canalhice, impunidade e mau-caratismo. Até que você olha direitinho ao redor. E pensa grande (como Pink Dink Doo). Esgotadas as esperanças e as lágrimas, eis que emerge de dentro do mar sangrento do seu coração a velha fé. Fé na vida, fé no homem, fé no que virá? No que virá, por favor. Sem limão e com gelo. Não é que, de fato, as coisas costumam ficar legais no final quando a criatura possui algum mérito? E que os malvados favoritos dos infernos só se fodem Brasil em alguma (tarda, mas não falha) hora? No fundo, não vale a pena tentar entender a tal justiça nestas bandas de cá deste planetinha-guri como fosse uma historinha da Liga. No entanto, perder a esperança no que há de bom seria o fim. E, para encarar as coisas com a simplicidade que elas demandam, há que se fazer pequena escolha: ou você é do Bem ou é do Mal. Diga logo. E haja como tal. Não se reprima, não seja geminiano ou libriano ou bipolar demais. É o fim do relativismo, do situacionismo ladrão e da liberdade de emoções. Agora é pa-pum, pei-buf, diabinho ou anjinho nos ouvidos. Se ser bonzinho só faz da gente vítima da Horda, chama a galera do Bem, os poderes de Grayskull ou o Robin. Ao menos um Chapolim Colorado vai aparecer (não é possível!). Ser enganado, traído, caluniado ou o que for pode não ser o fim da guerra se der pra baixar o Gandhi ou ouvir um dos mantras de Legião - "É o Bem contra o Mal/ E você de que lado está?/ Estou do lado do Bem/ Com a luz e com os anjooos". Afinal, como convenceremos nossos filhos a não migrar para o lado negro da força? Quanto ao Mal, chuta, que é macumba! Pow! Bum! Soc! Puft!

15 de setembro de 2010

Casados carentes


Não poderia escrever melhor sobre as pessoas infiéis, infelizes ou apenas confusas nos relacionamentos. Vale muito!  http://migre.me/1j9kd

10 de setembro de 2010

Uma questão de dureza

Daquelas comédias da vida privada. Da vida como ela é. Dos retratos do cotidiano ou qualquer outro tipo de plágio da vida real e do romance já manjado na literatura. Regina e Walmir eram um casal morno. Aliás, não podiam se considerar um casal, uma vez que eram práticos demais para tanto. Ele por alimentar nela apenas mais uma de suas criações fantasiosas do ideal de mulher - que, claro, sempre pendiam para uma projeção das prostitutas francesas classudas misturadas com as mulheres intelectuais dos botequins comunistas. Ela por se aproveitar da companhia pacata e quase sempre previsível. Homens previsíveis têm seu encanto: você sabe bem o que esperar e até onde ir. O fato é que insistiam, por algum motivo, naquela mesma fantasia falida: ele não resistia aos seus encantos; ela cedia para renovar a cútis. Até aquele domingo, pé de cachimbo. O touro é valente, bate na gente. O buraco foi fundo. Lençois intactos a partir de então. Rejeitado, Walmir logo pôs a culpa na fila de pretendentes, de A a Z, que Regina deveria ter aos seus pés. Afinal, para que ela não quisesse mais sustentar aquele romance de quinta, só poderia ter outros na jogada. De fato, a moça tinha lá seu fã-clube, embora preferisse escolher cautelosamente seus pares. Até escolhia demais, ao ponto de ser taxada de pudica, frígida e até sapatão. Por isso escolhera o velho amigo Walmir, o digno, o bom, o grande. Sim, era bem esse o problema na verdade. Não o fato de ser bom, ou grande, se é que vocês me entendem. Mas Regina era lúcida demais para se valer de anatomia. Era preciso dureza de caráter. Firmeza de postura. Rigidez de atitude. Walmir falhara não só na virilidade, mas no que importava mais, no respeito à parceria cênica da velha estrada. E fecharam-se as cortinas. E o palco se quedou mais morno.  

5 de setembro de 2010

Com açúcar, com afeto

Naquela noite olhou-se com espanto ao voltar para casa. Sentia-se diferente não por grandes novidades, mas por reconhecer sentimentos de que havia se esquecido. Até sorriu de um jeito envergonhado - como se ainda pudesse tocar o rubor da meninice com dedos sem anéis. Ele era um menino. Nunca gostara de rapazes mais novos - ou tão mais novos - pela associação com a imaturidade. Talvez até tivesse talento para cuidar no passado, quando o instinto maternal era latente e carente. Não pretendia se envolver com alguém numa fase tão calma quanto conturbada. Tempo, disposição e até vontade eram artigos em falta no seu estoque cotidiano. Todavia aquele rapaz que começava a viver a fase adulta, para o qual jamais olharia nas caminhadas pelas calçadas - embora fosse um carinha atraente -, provocou-lhe um sorriso fácil e um pouco de reflexão. Ele a desejava e a fez perceber muito claramente seu afeto naquela noite inocente. Não foi um encontro, mas o reencontro daquela mulher com o que lhe restava de doçura. Um homem que não lhe pedia nada, que não tentava satisfazer desejos simples ou exibir-lhe como troféu ou fazê-la doentiamente de bengala para seus males. Ou mesmo um homem sem aliança, que não a queria como complemento dos atributos que sua noiva ou esposa não possuíam. Sem preconceitos que podiam impedi-lo de se envolver com uma mulher mais velha e com família. Enfim, descobriu-se frente a sutilezas que acreditava perdidas no passado de ilusões, quando ainda acreditava em machos-alfa, Papai Noel e Coelhinho da Páscoa. Ele queria estar ao seu lado, e não tinha o menor pudor em demonstrar isso. E o brilho naqueles jovens olhos talvez tenham contagiado os seus, que, há muito, nem marejavam. Talvez nem devesse dar alguma esperança ao rapaz. Mas ele tinha de saber que seu afeto a fizera menos amarga, com uma boa dose de açúcar. Foi dormir com o coração 10 anos mais leve.

26 de agosto de 2010

Sobre realidades e bobagens

Era bem daqueles filmes que só passam em canal marromeno de TV a cabo. Dos que duram umas três horas só pela quantidade absurda de intervalos comerciais - sempre repetidos. Mas aquela história da mulher atordoada dentro de realidades paralelas - ou diferentes destinos -, que complicavam de acordo com a caixinha de música do diabo - pode rir! -, me fez lembrar de como somos tantos. Não todos nós, assim em número absoluto, ou naquele papo de um por todos e todos por um, mas pela reflexão de que cada um de nós vive um montão de vidas e desempenha papéis múltiplos e até opostos.  Nada de Matrix, A origem ou psicodrama. Nem é disso que falo. Mas de como os pequenos intervalos de lucidez de que gozamos - podiam ser pra sempre - nos abrem os olhos para o fato de que nos iludimos um tantão em cada momento, do estilo estético às profundezas do self. Indício: aquelas lembranças que te dão vergonha, que você não consegue compreender como pôde fazer ou sentir aquilo. "Como aconteceu?". Se for fundo, a gente vai sacando o quanto somos idiotamente mutantes, dissimulados conosco mesmos. E como alimentamos ideias burras frente ao espelho. A pessoa constroi uma autoimagem altamente distorcida, faz um monte de bagaceira e ainda acha incrível como teve capacidade de agir de tal forma. Nos raros surtos de lucidez, vamos aprendendo o beabá da gente, o mandamento de Sócrates de autoconhecimento, e nos deparamos com fraquezas antes inconcebíveis. Quase todas, inclusive, que gostamos de apontar nos outros, como autoestima problemática, insegurança, blablabla. E nem temos o poder da caixinha de música. Mas, na dúvida sobre o que é real, pode-se quebrar uns espelhos, dar-se uns beliscões ou incorporar de vez os papéis de protagonistas - no palco, no picadeiro ou na tela medíocre da TV.

11 de agosto de 2010

Homem fraco

Nem sei assim tão bem, mas supus que aquele fosse um dos piores adjetivos que se podia atribuir a um homem: fraco. Queríamos apenas rotular, de forma prática, aquela criatura de quem falávamos, meio sem querer, dentro de uma conversa sobre um mau elemento causador de depressão feminina pós-caso. Esse último não poderia ser chamado daquela forma categórica, uma vez que seus efeitos eram fortes e devastadores - a ver as quatro vítimas conhecidas e seu estado digno de compaixão após o fim do que, na verdade, ele nunca começara. Mas o outro, coitado, nem pela obra do mal podia ser qualificado. Era mesmo um fraco. Talvez fracassado seja até um status mais grave, uma vez que significa derrotado, vencido. Todavia o selo de fraco está associado à ausência de uma série de atributos e comportamentos que os homens acham que devem ter para serem dignos do H. Lembra até aqueles critérios do ISO, de que a empresa tem que se apropriar para levar a tarja. Seria até importante para as donzelas desavisadas o selinho lá: "ISO 2010F - certificado de fraco". A pessoa não perderia tempo com quem tem pouco a oferecer, na performance e no caráter, e procuraria as empresas concorrentes e com algum mérito. É como diz um amigo cafuçu: "um homem é um homem, um coelho é um coelho e um rato é um rato". Nunca entendi bem qual a do coelho, mas ele bem deve querer se referir ao tipinho ISO.

29 de julho de 2010

Como pegar mulher pra valer

"Deixe-a doida de tesão e tenha sexo o ano todo", "Seja o cara da cama dela", " Ela será sua em 3 minutos". Ler manchetes de revistas masculinas, na fila do supermercado, me fez lembrar dos velhos tempos de pré-adolescência, quando as revistas Querida, Carícia e Capricho nos iniciavam na vida sexual antes mesmo dos primeiros namoradinhos. As mães compravam por insistência nossa, mas nem imaginavam quantas vezes se repetiam palavras como pênis, sexo oral e lubrificação a cada edição. Assim como nós, amadureceram certamente as editoras daquelas publicações, que devem ter assumido a direção de revistas como Nova, que, na sala de espera das clínicas, nos fazem ruborizar com as putarias do tipo Amiga X (ex: Uma Amiga X minha pegou a vizinha transando loucamente com o jardineiro na garagem, e teve vontade de participar da cena. Ou mais diretas como: Fiz sexo anal com o amigo do meu filho, e fiquei viciada. Como meu marido viaja muito, acabei recorrendo a garotos de programa e não sei mais como parar).  O fato é que, diferentemente de tempos pretéritos, quando os homens não consumiam esse tipo de literatura, afinal, não precisavam aprender nada, pois eram macho-chôs, revistas como a Men's Health têm sido livro de cabeceira de muitos marmanjos. Descobri até que dois amigos assinam a danada! Desafiada por eles a dar umas folheadas nas edições, a fim de meter o pau (eu, claro) no suposto conteúdo machista e fútil, fui tomada de assalto com a boa sacada do material. É verdade que as chamadas de capa denunciam um donzelismo terrível. Mas as matérias, muitas escritas por mulheres, até que acertam direitinho nas dicas. Analisando melhor, é até bom que os garotões - donzelos ou sabichões - aprendam umas coisinhas e parem de insistir nos antigos truques abomináveis que julgam infalíveis. E nem são aqueles conselhos do tipo "ligue no dia seguinte" ou "descubra do que ela gosta". Talvez haja ali alguma coisa importante para os que pecam por falta de conhecimento ou estratégias erradas. Se reclamavam que mulher não vem com manual de instrução, agora podem se valer da bula e mandar ver na posologia. Mas  comam leiam com moderação, lógico.

15 de julho de 2010

Da aurora da vida

Amigo de infância é coisa pra se guardar debaixo de oito, nove, dez chaves, não? Afinal, carrega pedaço único nosso, o passado feliz, com a inocência perdida e a fé nas coisas simples. São laços firmes, mas não implicam parceria. Digo, não é incrível como seguimos caminhos distintos e, vez por outra, pensamos por que não mantivemos contato? Culpa das mazelas rotineiras? Chatice nossa? Esquecimento alheio? Talvez amizade e afinidade não sejam mesmo sinônimos. Atados os nós - que seguem assim desde os tempos em que éramos quase gente -, fica o sentimento bom, a prontidão para doar ombro, sangue ou qualquer préstimo ao amigo de velhos tempos. Mas não são necessariamente companheiros inseparáveis, daqueles que nos fazem falta até em poucos dias de distância. Podem existir amigos de infância companheiros. Mas não precisamos nos frustrar se os dois status não vierem juntos. Até porque não teria graça conviver o tempo todo com o passado. Ou deixar de receber e-mails, cartas saudosas e fotos antigas. Bom que seja assim. Mesmo esquecendo a canção. 

9 de julho de 2010

Síndrome de Kaká


- Quanto tempo! Como vão as coisas com aquele rapaz?

- Abuso. Comecei a perceber tanto defeito, tanta covardia! Na verdade, fiquei agora egoísta. Qualquer coisa que me dê um pouquinho mais de trabalho (incluindo homens), eu tô dispensando.

- Eu também estou tão blasé. Tô me achando a última coca-cola do deserto. Não quero mais nada mais ou menos.

- E aquele teu amigo, que tu achava Macho Alfa?

- Quê? Passado o deslumbre, começo a ver que se trata de mais um metido a merda. Ele se acha o galã, o bom partido.

- Bom partido? Ele tem que ralar muito pra chegar lá. Bom partido é aquela unanimidade, que você admira pela inteligência e pela integridade. Ele é metido por quê? Bonitinho, inteligência mediana que se sobressai pelo convívio com inteligências inferiores. O tipo de pessoa mediana.

- Pior. É hipócrita.Vangloria-se da imagem de bom moço, fiel, religioso, caridoso. Quando, na verdade, é safado, não pode ver um rabo de saia, e não contribui muito com as causas que prega.

- E o marido da nossa amiga, que voltou a beber e esqueceu as responsabilidades de pai? Ela saiu ontem de casa com o menino, que nem tem um ano.

- E o da outra a deixou cuidar sozinha da filha, que exige cuidados especiais, para raparigar, esta semana.

- E todos esses bancavam os bons partidos, não? Os melhores, pelos quais as mulheres deveriam agradecer todos os dias.

- Sinceramente, eles são como um time. Como a seleção brasileira, que, depois dos holofotes e do show mundial, voltam às origens fracassados. E, ainda por cima, sofrem da Síndrome de Kaká. Religiosos ou não,  posam de bons moços, quando, na verdade, são uns dissimulados.

- E ainda fazem a linha família. Mas só amam a si mesmos. O próprio umbigo, que julgam perfeito.

- Ah, coitado de Kaká! Ser comparado a esses bostas...

- É mesmo. O crime de Kaká é dizer "puta que pariu!". Os desse time não caberiam num palavrão.

- E eles nem teriam competência para chegar às Quartas de Final.

8 de julho de 2010

O mestre e os mamilos

O ruído da chuva forte no parabrisa não constrangia a risada despudorada das meninas no carro. Meninas é eufemismo, claro, uma vez que assim podiam ser chamadas mesmo (muitos) anos atrás, quando se apaixonavam por professores do colégio. Aqueles barrigudos, carecas e intelectuais e, portanto, maravilhosos. Riam do platonismo colegial pela associação com a admiração pós-graduada por certos doutores da sedução. Sedução para os machos dele!, diria uma delas. Mas ele gosta de uma de nós. Quem sabe não é nossa chance de convertê-lo ao lado negro da força? Que nada! Ele só me curte porque eu o faço ruborizar. Ou ele ruboriza por você. Não importa. O desafio é descobrir porque os mamilos dele estão sempre protuberantes sob a camisa. Também noto sempre! Ele sente frio, gente! Não, acho que ele fica arrepiado diante da riqueza intelectual da aula. Vocês esquecem da empolgação com a nossa colega. Rá, ou das lembranças das paixões de outras distâncias. É. É o frio. Que seja qualquer coisa. Esse tipo de mestre, desde a escola, sempre pôde ter poucos cabelos, muito diâmetro abdominal, poucos bons elementos estéticos até. O charme era ser sabido. Ainda é, gente. Mas hoje eles enrijecem os mamilos para qualquer freguesia. É, e sentem frio. Uma lástima.    

6 de julho de 2010

Coisa de mulherzinha


The Cure embalava o sofrimento de garotos que não choravam. Os clássicos garotos, controlados e equilibrados emocionalmente, que são como aço. Que rima com laço, com abraço. Estranho como o choro do homem saiu tanto do armário que banalizou o da mulher. Claro que não é geral, e que o fato não se pode (ou deve) chamar de bom ou ruim. Mas é interessante perceber as pequenas consequências simultâneas do endurecimento feminino e da sensibilização masculina. Expor o mais íntimo, vertê-lo, condensá-lo não é mais coisa de mulherzinha. Até porque a mulherzinha embruteceu-se um tanto - chamemos fortalecimento. Bom que se vão os tabus. Mas ficam os dedos? A mudança mostrou-se tão viva que se veem rapazes constrangidos diante da tarefa de ouvir uma pobre dama chorar. Atrapalhados, não sabem o que dizer ou como ajudar. Eles mesmos que choram (ou choraram) sem qualquer pudor. Talvez seja o medo das entrelinhas, das mensagens subliminares, de possíveis quintas intenções, dos signos, códigos e rótulos demasiados da pós-modernidade. Mas a coisa parece ser mais simples. E inofensiva. E das antigas. Lenço, ombro e abraço. Ou qualquer coisa que demonstre segurança, que confira sensação de "vai passar" ou "você não está só". Mirem-se no exemplo dos cafuçus. Eles é que eram Amélias de verdade.

25 de junho de 2010

Mundo cão

Horas existem em que dá vontade de esquecer princípios, religião, lucidez, ponderação, justiça. Essa última, de tão abstrata, então, nem serve mais de vapor no sonho. Ô mundinho cão! Quem se esforça em fazer o que é certo parece valer (bem) menos do que o que mente, maltrata, agride. E o algoz capaz de rir por último. Com aplausos dos responsáveis pela justiça humana, se brincar. Incrível como chega a ser difícil falar para si mesmo do que tarda, mas não falha, do que Deus tá vendo, do que ninguém escapa. Diante de tanta maldade, violência, hipocrisia, cinismo e falta de escrúpulos, como preservar o que há de bom? Como proteger os que vêm? E deixar tranquilos os que vão? Fé é o que resta. E, mesmo assim, não é resto. É como se diz: madeira-de-lei que cupim não roi, quem espera sempre alcança, a verdade sempre aparece. Apegar-se aos provérbios e torná-los mantras. Talvez se façam luz mediante repetição. 

22 de junho de 2010

Sopa de letrinhas

Eram seis. Feito aquela novela. A com B, C com D e E com F. Amigos na mesma mesa do bar de sempre, anos atrás (poucos). Depois D apaixonou-se por A, que, pela amizade com C e pelos resquícios de amor a B, recuou. Mas a combinação tinha de se fazer um dia, e se fez. Em seguida, C se resolveu com F. Verdade que E ficou solteira. E o tal do B também. Não necessariamente sós. Mas o legal de toda a sopa de letrinhas foi o beabá de D com A. Casaram. Mudaram-se. Não chegam a ser Eduardo e Mônica. Nem Romeu e Julieta. Mas são dos poucos exemplos de sílaba tônica. Ou preposição + artigo. Definido, sempre. Dia desses, de volta aos cenários de alfabetos passados, mostram por que aprenderam o abecê. E a gente compra a cartilha. Pra um dia saber escrever.    

16 de junho de 2010

Chuva e fogo

Apagar fogo. Taí uma função muito digna da chuva, que insiste em inundar os planos do Recife nos últimos dias. É certo que os pingos molhadores de barra de calça, bolsa de pano e lente de óculos portam-se de maneira incoveniente na maioria das vezes. Atrasos no trabalho. Bagaceira no trânsito. Menos fogos no jogo do Brasil. Nem aquela desculpinha pra ficar em casa sob cobertas, comendo besteira e vendo filminhos serve muito. Até porque o sinal da TV complica, a energia cai e o peso aumenta. No entanto, descobriu-se muito recentemente esta ótima artimanha da chuva de meu Deus: apaga um fogo que é uma beleza! E não é só fogo queimado, nem fogo de fogueira. Vão-se, pelas galerias entupidas da cidade, planos maliciosos, desejos projetados e pedaços de imaginação impublicáveis. Assim que começa a trepidar, provocado por faíscas de sugestão, a chuva abafa o pensamento, posto que é chama. E é por bem pouco que essa tromba d'água não muda a resposta daquilo que cai em pé e corre deitado. Chuá.

14 de junho de 2010

Lettera

Era para ser sobre futuro. Mas quem poderia prever algo além do aqui e agora? Pôs-se, então, a rabiscar sobre o que já se fora, mas acabou jogando fora meia dúzia de papéis de pauta borrada. Embora a mão suasse e tremesse um tanto, escreveu sobre o que se passava naquele exato momento. Fôlego e água, por favor. Muita verdade de uma só vez. Melhor apagar...e se alguém visse? Não, deixa. Já eram duas páginas mesmo. E três horas. E um calor. A cabeça pesava, mas o peito se abria. Bom aquilo. Não poupou vocabulário; disse tudo. E sublinhou, até, os trechos mais íntimos. Ao ponto final, acrescentou duas lágrimas. Depois foram mais. E dobrou os papéis, apertando-os, em seguida, contra ao peito, como nas mais clássicas cenas de novela. Não enviaria. Verdade é bom, mas doi. Melhor prender-se àquele futuro não descritível ou recordar o passado dolorido. Guardou o envelope naquele livro de poemas, que um dia poderia chegar, por acidente, àquelas mãos. Bem cafona assim, como vambora, na cinza das horas. E o livro nunca sairia daquela estante. E esse nunca também valeria para a carta, o presente. Esqueceu-se também da verdade. De tanto esconder.       

12 de junho de 2010

Feliz Dia dos Nãomorados Ano IV


Desta vez é diferente. Não porque ser solteiro é bom; apenas não é ruim. Não porque a ausência de companhia é a perfeição; apenas é verdadeira. Não que namorado seja péssimo; apenas deve existir em algum lugar que não aqui e num tempo que não é hoje. Deixemos de lado a ode ao momento conveniente. Se acompanhado, é a pessoa mais feliz do mundo; se solteiro, é a maior curtição. Preocupar-se em traduzir em felicidade o que se passa talvez seja o erro. Erro também estar solteiro ou comprometido por algum motivo que não seja honesto. Amar é honesto. Não se forçar a amar o conveniente o é igualmente. Enquanto o status de relacionamento for importante felicitômetro, continuarão as decepções, os namoros mornos, a inquietude, a solteirice desvirtuada, a badalação com direito a vazio-day-after... Conhecer, assumir e respeitar o que se sente talvez seja o resumo do manual. Calibremos, portanto, os instrumentos de aferição da felicidade sem o peso do estado civil. Nada mais triste do que estar com um namorado para cumprir tabela; ou estar solteiro pela variedade de opções no menu. Quando entendemos que relacionamento significa companheirismo, afinidade, tesão e compromisso, lembremo-nos também do caráter transcedental da união, ou da solidão saudável. Se, ao fecharmos os olhos, experimentamos a sensação de integralidade e conexão cósmica, estejamos envolvidos ou não com alguém, comemoremos. Afinal, com aliança ou só consigo, a ordem é ser livre para escolher.

22 de abril de 2010

Sacrifícios

A ideia de cruz pesada, ou de açoite nas costas nuas, ou de milho sob o joelho. Sacrifício. Sujeitar-se à dor ou abster-se do prazer, por causa ou ideal determinados, pode parecer dramático, lunático ou antiquado. Mas sacrifício não precisa ser associado somente a sofrimento. Há de se ganhar o trunfo depois dos caminhos de pedras. Há de se aprender com algumas dificuldades. De gozar depois das privações. Sacrificar-se pode significar esforço, determinação, perseverança, lucidez. Sem doer, muitas vezes. Abstrair, sublimar, transcender...vale se inspirar nos caminhos tibetanos para armazenar e transformar energias em prol do equilíbrio, em vez de desperdiça-las ao vento. Vale mais o pequeno momento de felicidade forjada ou o êxtase real? O espirro ou o suspiro? Os anos mais que os segundos? Quando se escolhe esperar pelo tesouro, parece sábio descartar as bijuterias. E que venha, com prazer, todo o ouro merecido!

16 de abril de 2010

CDF

Só mesmo sendo de ferro para suportar tantas horas na cadeira, frente ao computador. Em outras épocas, era possível estudar na cama, na rede, no chão...afinal, folhear livros e rabiscar papel pautado bastava. Voltar a ser estudante em tempos de tecnocultura, produção instantânea e otimização do tempo exige mais esforço. Ler, compreender, assimilar, resumir, resenhar, apresentar: tudo ao mesmo tempo, do livro ao PC. Mas o maior esforço parece ser o da abstração. Engraçado como, durante o tempo em que dedicávamos nossas horas a outras atividades, era difícil imaginar-se tão concentrada. Não importam a TV da sala em alto volume, as conversas familiares, os 300 mil telefones tocando e os dois milhões de teclados barulhentos ao lado; sua mente está a mil por hora, e tudo por causa de letrinhas miúdas xerocadas. Se o tempo é escasso, nada impede de ler um bocado na fila do banco, uma coisinha no banheiro, pedaços de madrugada. E o programa preferido do fim de semana? Livro com vinho. Uma delícia! Com muitas horas de atividade mental e poucas de sono, não dá pra ser diferente de chata. Você vai farrapando com os amigos, deixando de alimentar as redes sociais da web, abre mão de ser pop...até receber a alcunha de cdf. Pronto. Aquela figura de garoto ruivo norteamericano com óculos fundo-de-garrafa e você são a mesma pessoa, e só lhe restam livros e chocolates. O telefone já toca menos, a barra inferior na tela pisca pouco e as pessoas até nem fazem tanta questão de lhe contar piadas. Encarnado o espírito cdf, você sofre de excesso de lucidez, tara literária e instigação acadêmica...e quem quer ouvir sobre teóricos e teóricos? Esse estigma, no entanto, não é de todo ruim. Ficar mais sabida, conhecer pessoas inteligentes, aproveitar melhor o tempo e construir futuro compensa os sacrifícios e os rótulos. Afinal, passar horas no computador navegando em nada, dar atenção a gente fútil e fazer programas degradantes parece ser a fórmula real - embora travestida de modernidade - da solidão. Cdf dialoga com gente boa na leitura, valoriza os bons e fieis amigos de verdade e ainda paga meio ingresso no cinema (quando é possível). E quem achar ruim que vá naquele canto...que o meu é de ferro!

4 de fevereiro de 2010

Mulher fresca

"Nossa! Então tchau. Bem que me disseram que as mulheres do Recife são frescas e metidas a besta". Ao ler tal frase na caixa do chat, tivera certeza do que desconfiava há algum tempo: tinha se tornado uma delas; das frescas, tão criticadas até mesmo por ela. Achou incrível, no entanto, o estranho contentamento que o veredito lhe causava. E passou a refletir sobre a abominável frescura feminina, que leva os homens incovenientes a desistirem de cortejar as moças. Mas isso não é magnífico? Poder espantar os maus elementos com nada mais do que mistura de sinceridade, praticidade e fineza! Não poderia ser tão ruim quanto bancar a boazinha. Com medo de ser taxada terrivelmente de "mulé fresca", a criatura passa a vida a ser educada com as almas sebosas, sorrir para as piadas infames, abaixar a cabeça diante de assobios e frases chulas repugnantes e dançar com os piores tipos nas festas. Tudo para não parecer fresca.
Nessa toda-vida de simpatia, além de ouvir elogios masculinos sobre como você é diferente das outras - na verdade, queriam dizer: "isso mesmo, pequena lebre. Assim boazinha fica mais fácil abater" - as meninas-sempre-gentis-com rapazes colecionam roubadas, decepções, tempo perdido e um time de vermes a exterminar. Ainda correm mais risco de se envolver com trepeças só para não parecer malvada. "Veja bem, você é ótimo. É que realmente não dá, pois estou sem tempo", diz a boazinha, que, em vez de se livrar, vai atiçar o intento masculino de importuná-la. "Pega o beco e vaza!", resolveria, em dois tempos, a Mulher Fresca.
Não se pode culpar os rapazes. Afinal de contas, eles sempre acreditam que o sim de uma dama depende de sua habilidade de conquista. E não nos esforçamos muito em desmenti-los também. É válido deixar que se sintam os caçadores, mesmo que tenham eles caído na armadilha. Agora acreditar que toda mulher é uma anta ou algum tipo de boneca inflável virtual para alimentar a imaginação de machos carentes é demais. Seria diferente, no entanto, se tantas dessas mulheres não se passassem realmente por essas antas, bastante comuns em chats e redes sociais. "De onde tc? Qual seu manequim? Tem "marquinha de praia"? "Depende do modelo do seu carro e dos números do seu contracheque", deviam responder logo as pseudoboazinhas. Argh!

Excluiu a criatura que adicionara só para justificar que não estava interessada em bate-papos com estranhos. E orgulhou-se do que dissera ao rapaz, antes de ele a chamar de fresca: "Vê bem: não vou ligar webcam, não gosto de mandar fotinhas e ficar de conversinha com gente que não conheço, ok?". E foi ao shopping comprar o maior salto que já teve; não antes de ensaiar caras, bocas e egípcias para distribuir (e repelir) por aí.

29 de janeiro de 2010

Tudo novo de novo


Perdoem-me pelo longo silêncio. O precioso tempo é um bem que nos falta, às vezes. Mas, apesar de sagitarianos não curtirem muito as pressões, os muitos pedidos carinhosos para que atualizasse este bloguinho me ajudaram a voltar a priorizá-lo. E a prioridade me parece um tema interessante de explorar rapidinho, nesta volta meio relâmpago, diante de repetidos acontecimentos relacionados a tal característica. Não direi que são sempre eles os culpados. Mulheres há que curtem um step, uns dois repolhinhos e talvez um amor em cada porto. Por razões óbvias, no entanto, o homem parece se sentir mais à vontade para manter um harém. Uma para cada dia da semana? Diria que eles já ultrapassaram esse limite do calendário. Com a facilidade virtual de comunicação, a safadezinha feminina e a expertise de macho adquirida com o tempo, os moços deixam o corpo bruto de Neanderthal e se aproximam, cada vez mais, do moderno modelo Coração de Mãe (onde sempre cabe mais uma).

Com a destreza e a cara-de-pau conquistada ao longo de existências corcundas, peludas e barulhentas, o macho pós-moderno evoluiu na condição de líder do clã, por meio da qual pode desempenhar funções como pastor de (muitas) ovelhas, sultão, galo ou o tradicional canalha clássico. Tal clássico - espécie já tão explorada neste espaço emocional científico - já esbanja superpoderes oriundos dos fenômenos do tempo impressos em fenótipos e genótipos. Ele tem a grande habilidade da onipresença; consegue estar em processo de galanteio com cinco na internet, enquanto espera a namorada sair do banho e corteja outra ao telefone. A simultaneidade já começa a se desenvolver nesses seres antes desprovidos da qualidade de fazer várias coisas ao mesmo tempo. O indivíduo dessa espécie também tem o poder de negação superdesenvolvido. Se antes, negavam suas proezas até a morte, agora negam por duas encarnações consecutivas, até sob torturas no umbral ou no limbo. Resistente a peso na consciência ou rompantes morais, o pós-moderno adquiriu maior capacidade de mentir, a partir das qualidades cênicas conquistadas durante a evolução.

Mas nada de pânico. À medida em que os machos evoluíam, as moçoilas também adquiriam couraça cardíaca capaz de se blindar contra os poderes especiais do lado de lá. Também criaram e testaram em laboratório pesticidas e repelentes como a prioridade. A prioridade está para o macho pós-moderno como a criptonita para o Super-homem. Apesar de todo o poder, o macho pós se atrapalha na hora de eleger a rainha, a primeira-dama, a oficial - aquela que tem a cabeça mais forte para ostentar os chifres. Enquanto está tudo no mesmo nível, ele se deleita. No entanto, ao ensaiar um compromisso com uma delas ou ao menos fingir, em estratégia para não perder a dita cuja do seu rebanho, bate de frente com a capacidade feminina de defesa, que aciona o desconfiômetro e põe a prioridade à prova. Embaralhado, o macho vê regredida a função Esconder as Outras, e revela sua identidade secreta de Fracassado. Portanto, se quer maior imunidade contra o Coração de Mãe, apresente-lhe a prioridade e sente-se num confortável sofá, beliscando queijos finos e sorvendo bom vinho para admirar o espetáculo cômico de um canalha sem máscaras e de calças curtas.