5 de setembro de 2010

Com açúcar, com afeto

Naquela noite olhou-se com espanto ao voltar para casa. Sentia-se diferente não por grandes novidades, mas por reconhecer sentimentos de que havia se esquecido. Até sorriu de um jeito envergonhado - como se ainda pudesse tocar o rubor da meninice com dedos sem anéis. Ele era um menino. Nunca gostara de rapazes mais novos - ou tão mais novos - pela associação com a imaturidade. Talvez até tivesse talento para cuidar no passado, quando o instinto maternal era latente e carente. Não pretendia se envolver com alguém numa fase tão calma quanto conturbada. Tempo, disposição e até vontade eram artigos em falta no seu estoque cotidiano. Todavia aquele rapaz que começava a viver a fase adulta, para o qual jamais olharia nas caminhadas pelas calçadas - embora fosse um carinha atraente -, provocou-lhe um sorriso fácil e um pouco de reflexão. Ele a desejava e a fez perceber muito claramente seu afeto naquela noite inocente. Não foi um encontro, mas o reencontro daquela mulher com o que lhe restava de doçura. Um homem que não lhe pedia nada, que não tentava satisfazer desejos simples ou exibir-lhe como troféu ou fazê-la doentiamente de bengala para seus males. Ou mesmo um homem sem aliança, que não a queria como complemento dos atributos que sua noiva ou esposa não possuíam. Sem preconceitos que podiam impedi-lo de se envolver com uma mulher mais velha e com família. Enfim, descobriu-se frente a sutilezas que acreditava perdidas no passado de ilusões, quando ainda acreditava em machos-alfa, Papai Noel e Coelhinho da Páscoa. Ele queria estar ao seu lado, e não tinha o menor pudor em demonstrar isso. E o brilho naqueles jovens olhos talvez tenham contagiado os seus, que, há muito, nem marejavam. Talvez nem devesse dar alguma esperança ao rapaz. Mas ele tinha de saber que seu afeto a fizera menos amarga, com uma boa dose de açúcar. Foi dormir com o coração 10 anos mais leve.

3 comentários:

Wladmir P. disse...

Não é bem romancista. É folhetinista. E nem sei se essa palavra existe. :)

Eduardo disse...

Que lindo Jornalista.
Einstein não poderia ter sido mais acertivo em sua teoria da relatividade.
O tempo não se subordina só ao espaço, a massa, a velocidade. Para mim o tempo se subordina ao afeto. Os 10 anos mais leves, o eterno enquanto dure, o encontro de tempos diferentes, que nem fazem tanta diferença assim. Afeto senhor do tempo.
Termino de ler e me sinto alguns anos mais leves também.

=*

Lucas Pereira disse...

quanta eza! destreza, beleza, sutileza, delicadeza!