Substantivo feminino que significa "comunicação de pensamentos, sentimentos ou conhecimentos de uma pessoa para outra, sem o uso dos sentidos da audição, da visão, do olfato, do paladar ou do tato". Telepatia pode soar tão estranho quanto ETs, abdução e fendas no tempo. Mas é habilidade mundana, é fato. Como negar essa capacidade se a certas pessoas não é necessário sequer mover os lábios ou franzir o cenho para se fazer compreendido? Ou ouvir, ler e traduzir sinais físicos para compreender a mensagem do outro? O tema seria debatido, muito justamente, a partir das mais amplas visões, ideologias e experiências. Mas não importam as causas e os porquês quando se pode viver plenamente a ausência de barreiras entre pessoas. Aquelas amigas que se divertem com as coincidências de pensamento e se preocupam, de repente, com uma aflição que as fazem lembrar da outra. Aquele amigo que, antes de contar os problemas, é surpreendido com as adivinhações certeiras do interlocutor. Aquele homem que se liga misteriosa e fortemente àquela mulher, com e sem palavras ou rostos. Talvez sentimentos tão intensos dispensem a matéria e seus instrumentos vulgares de comunicação. Pode também o entendimento de um para o outro ser gratuito ou estranhamente pleno. Ou duas criaturas terem o mesmo a dizer ou receberem de forma igual as mensagens. De toda forma, há uma ligação interessante entre elas. E, para saber o motivo do elo, não precisam de perguntas e respostas comuns. Olham-se e dizem: "é você". Ou não se olham e sabem. Não se pode fugir do óbvio. Não dá para escapar do onisciência alheia sobre si.
30 de setembro de 2008
23 de setembro de 2008
Se enamora
SE ENAMORA
(Garofalo/ Monti / Vicenzo Giuffré / Giannino Gastaldo / Edgard Poças. By Balão Mágico)
Quando você chega na classe
Nem sabe
Quanta diferença que faz
E às vezes
Faço que não vejo e não ligo
E finjo ser distraída demais
Quantas vezes te desenhei
Mas não consigo
Ver o teu sorriso no fim
Te sigo
Caminhando pelo recreio
Quem sabe
Você tropeça em mim
Se enamora
Quem vê você chegar com tantas cores
E vê você passar perto das flores
Parece que elas querem te roubar
Se enamora
Se enamora
Quem vê você chegar com tantos sonhos
E os olhos tão ligados nesses sonhos
Tesouros de um amor que vai chegar
Quando toca o despertador
De manhãzinha
Me levanto e vou me arrumar
E vejo
A felicidade no espelho
Sorrindo
Claro que vou te encontrar
Fico só pensando em você
E juro
Que vou te tirar pra dançar
Um dia
Mas uma canção é tão pouco
Nem cabe
Tudo que eu quero falar
Se enamora
Quem vê você chegar com tantas cores
E vê você passar perto das flores
Parece que elas querem te roubar
Se enamora
Se enamora
Quem vê você chegar com tantos sonhos
E os olhos tão ligados nesses sonhos
Tesouros de um amor que vai chegar
Se enamora
E fica tão difícil
De ir embora
E às vezes escondido
A gente chora
E chora mesmo sem saber por quê
Se enamora
A gente de repente
Se enamora
E sente que o amor
Chegou na hora
E agora gosto muito de você.
19 de setembro de 2008
O nosso mundo
Eu bebo a Vida, a longos tragos,
Como um divino vinho de Falerno!
Pousando em ti o meu olhar eterno
Como pousam as folhas sobre os lagos...
Os meus sonhos agora são mais vagos...
O teu olhar em mim, hoje, é mais eterno...
E a Vida não é o rubro inferno
Todo fantasmas tristes e pressagos!
A Vida, meu Amor, quero vivê-la!
Na mesma taça erguida em tuas mãos,
Bocas unidas, hemos de bebê-la!
Que importa o mundo e as ilusões defuntas?
Que importa o mundo e os seus orgulhos vãos?
O mundo, Amor?... As nossas bocas juntas!
(Florbela Espanca)
17 de setembro de 2008
A CARTILHA DO ESQUECIMENTO - FINAL
IV – Vade retro!
Feito. Você vive os dias como se aquela desagradável presença nunca tivesse existido. Para tanto, se esforça, não em cultivar memórias negativas, mas em ser lúcido o suficiente para que enxergue o que realmente importa nesta vida bandida: você. Nada de bancar a Marina Lima e procurar um homem (ou mulher) pra chamar de seu (sua). Acredite: desespero só atrai desgraça. E, se acha que esteve cego no último relacionamento, ficará também surdo e mudo nesse fake nosso de cada dia.
No esforço de tentar curar um amor com outro, projetamos a imagem do nosso salvador, o maldito príncipe encantado que chegava do nada, nos contos de fada, e transformava qualquer inferno em paraíso. Ele é o culpado pelos nossos sonhos babacas de mocinha desamparada à procura de galopes no cavalo branco. Recém-quase-lobotomiado, basta aparecer o primeiro exemplar do sexo oposto, e ele se transforma no seu parceiro ideal. E o desencanto pode não acontecer em apenas duas semanas...
Querer alguém a todo custo geralmente indica que não estamos à vontade conosco. A companhia de si mesmo incomoda. Diria ele que “a ausência é uma presença mal resolvida”. Quer maior responsável pela nossa intriga conosco mesmos do que uma presença mal resolvida? Não basta decidir o fim; há de se espantar a presença, a entidade, o encosto que o acompanha dia a dia. Projeta-se o falecido como alvo de vingança, planeja-se atos que mostrem à alma-penada como você superou tudo isso. Como você é superior, adulto e poderoso, não? Rá. O poder é justamente o esquecimento, a abstração, a sublimação, o passar por cima sem se inclinar. Ao corterjar essa “presença mal resolvida”, você nunca deixará de ser a boneca do vodu, sendo alfinetada com cada atitude do coisa-ruim, cada informação, cada não-atitude também. Vade retro!
Não se vingue, não se importe com o que ele fale ou pense. Eis a etapa final do esquecimento saudável. Rememorar as dores, os motivos que levaram ao fim e as razões que justificam sua dor aparentemente infinda só vão manter o obsessor sempre ao seu lado, e sem sexo, cafuné ou ombro amigo. Deixe-o correr para a luz. Se não quer perdoa-lo, ao menos não o mantenha consigo por meio da mágoa. Mostre à sua segunda sombra a porta da frente e feche também essa aí de dentro. Mas não tranque. Quem sabe se o próximo a tocar a campainha não será você mesmo? Convide-se para entrar, tome um vinho e um banho quente com essa visita agradável. E deixe-a ficar. Sem ausência, a sua presença é bem resolvida. E quem vier encontrará a casa iluminada, boa música ambiente, cheiro de flores e um lado vazio na sua cama aquecida.
Feito. Você vive os dias como se aquela desagradável presença nunca tivesse existido. Para tanto, se esforça, não em cultivar memórias negativas, mas em ser lúcido o suficiente para que enxergue o que realmente importa nesta vida bandida: você. Nada de bancar a Marina Lima e procurar um homem (ou mulher) pra chamar de seu (sua). Acredite: desespero só atrai desgraça. E, se acha que esteve cego no último relacionamento, ficará também surdo e mudo nesse fake nosso de cada dia.
No esforço de tentar curar um amor com outro, projetamos a imagem do nosso salvador, o maldito príncipe encantado que chegava do nada, nos contos de fada, e transformava qualquer inferno em paraíso. Ele é o culpado pelos nossos sonhos babacas de mocinha desamparada à procura de galopes no cavalo branco. Recém-quase-lobotomiado, basta aparecer o primeiro exemplar do sexo oposto, e ele se transforma no seu parceiro ideal. E o desencanto pode não acontecer em apenas duas semanas...
Querer alguém a todo custo geralmente indica que não estamos à vontade conosco. A companhia de si mesmo incomoda. Diria ele que “a ausência é uma presença mal resolvida”. Quer maior responsável pela nossa intriga conosco mesmos do que uma presença mal resolvida? Não basta decidir o fim; há de se espantar a presença, a entidade, o encosto que o acompanha dia a dia. Projeta-se o falecido como alvo de vingança, planeja-se atos que mostrem à alma-penada como você superou tudo isso. Como você é superior, adulto e poderoso, não? Rá. O poder é justamente o esquecimento, a abstração, a sublimação, o passar por cima sem se inclinar. Ao corterjar essa “presença mal resolvida”, você nunca deixará de ser a boneca do vodu, sendo alfinetada com cada atitude do coisa-ruim, cada informação, cada não-atitude também. Vade retro!
Não se vingue, não se importe com o que ele fale ou pense. Eis a etapa final do esquecimento saudável. Rememorar as dores, os motivos que levaram ao fim e as razões que justificam sua dor aparentemente infinda só vão manter o obsessor sempre ao seu lado, e sem sexo, cafuné ou ombro amigo. Deixe-o correr para a luz. Se não quer perdoa-lo, ao menos não o mantenha consigo por meio da mágoa. Mostre à sua segunda sombra a porta da frente e feche também essa aí de dentro. Mas não tranque. Quem sabe se o próximo a tocar a campainha não será você mesmo? Convide-se para entrar, tome um vinho e um banho quente com essa visita agradável. E deixe-a ficar. Sem ausência, a sua presença é bem resolvida. E quem vier encontrará a casa iluminada, boa música ambiente, cheiro de flores e um lado vazio na sua cama aquecida.
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Brilho eterno de uma mente sem lembranças
11 de setembro de 2008
A CARTILHA DO ESQUECIMENTO - Segunda parte
III Passo – Experimente outra rotina
Não se preocupe. Não é para sempre o tratamento de choque do Movimento dos Sem Memória. Todavia, até que um coração viciado/escravo/desavergonhado esteja completamente sob domínio de quem o carrega, é preciso navegar por outros mares e dar um tempo onde as águas são revoltas. E, se não quer continuar nadando e morrendo na praia, reúna esforços para praticar a bendita abstração. Abstrair, oras. Respirar fundo, contar até 10 e fingir que aquele problema não é seu. Para quem fingiu, por tanto tempo, estar feliz num relacionamento do Mal, será fichinha acreditar na nova realidade cor-de-rosa.
Sabe aquela música linda que vocês ouviam juntos ao contemplar estrelas? Você não gosta mais. O filme que ele te deu de presente no Natal passado...você vai emprestar sem exigir devolução. Sim, vai abrir mão do próprio bom-gosto, das preferências e de tudo o que o faz pensar na criatura que quer eliminar da memória afetiva. Nada de valorizar pensamentos involuntários do tipo “que coincidência! A nossa música no rádio!” – como se todas as boas músicas do mundo tivessem sido feitas só para esse casal idiota em particular, e não existissem outros milhares de casais idiotas se achando exclusivos. Não se trata de um plano do destino para unir os dois novamente, tampouco a Lua, em Júpiter, lança uma atmosfera que, não se sabe por que, faz magicamente surgirem, por todos os lados, símbolos, fotos, luzes de neon e sons que caracterizam a fabulosa e inédita história do ex-casal.
Já que você está de volta à vigília, deixe de ser a parte idiota e achar que o mundo gira em torno desse caso falido e desgraçado de falso-amor. Inteligente como é, sabe que amor mesmo só traz boas e agradáveis lembranças, nenhum sofrimento e paz, coisa que você não sabe o que significa faz tempo. A paz, contudo, invadiu o seu coração. De repente, você vai ver o mundo de forma prática e nada ridícula. As músicas e filmes existem e estão se lixando para você; os autores sequer sabem de sua existência e, se sonharem com a possibilidade, vão rir da sua cara por você achar que somente seu pezinho de Cinderela cabe no sapato de cristal.
A técnica é: não ouvir os discos e assistir aos filmes que o fazem recordar. Queime as fotos (obedeça sem hesitar). Não negue, pois todos sabem que você faz isso. Como é previsível a sua rotina de provocar lembranças, se acabar de chorar e se achar o último desgraçado da face da terra! Ó, por que logo você, que entregou seu coração? Chega! Pelo amor de Deus, você não tem mais 15 anos e não quer fazer os seus amigos sentirem náuseas ao ouvirem lamentações de tal ordem! Cultivar a autopiedade é causar repulsa nas pessoas. Ser coitadinho é pior do que ser corno. E disso você deve entender. Portanto, não provoque o vômito ao sentir nojo de si mesmo. Não provoque as memórias metendo o dedo na goela do imaginário que você reserva só para sofrer. Aproveite para descobrir novos autores, lançamentos e esquisitices legais. Em breve, será permitido voltar aos favoritos sem a mancha do intruso que lhe tomou a essência artística – momentaneamente. Vai de rumba?
Não se preocupe. Não é para sempre o tratamento de choque do Movimento dos Sem Memória. Todavia, até que um coração viciado/escravo/desavergonhado esteja completamente sob domínio de quem o carrega, é preciso navegar por outros mares e dar um tempo onde as águas são revoltas. E, se não quer continuar nadando e morrendo na praia, reúna esforços para praticar a bendita abstração. Abstrair, oras. Respirar fundo, contar até 10 e fingir que aquele problema não é seu. Para quem fingiu, por tanto tempo, estar feliz num relacionamento do Mal, será fichinha acreditar na nova realidade cor-de-rosa.
Sabe aquela música linda que vocês ouviam juntos ao contemplar estrelas? Você não gosta mais. O filme que ele te deu de presente no Natal passado...você vai emprestar sem exigir devolução. Sim, vai abrir mão do próprio bom-gosto, das preferências e de tudo o que o faz pensar na criatura que quer eliminar da memória afetiva. Nada de valorizar pensamentos involuntários do tipo “que coincidência! A nossa música no rádio!” – como se todas as boas músicas do mundo tivessem sido feitas só para esse casal idiota em particular, e não existissem outros milhares de casais idiotas se achando exclusivos. Não se trata de um plano do destino para unir os dois novamente, tampouco a Lua, em Júpiter, lança uma atmosfera que, não se sabe por que, faz magicamente surgirem, por todos os lados, símbolos, fotos, luzes de neon e sons que caracterizam a fabulosa e inédita história do ex-casal.
Já que você está de volta à vigília, deixe de ser a parte idiota e achar que o mundo gira em torno desse caso falido e desgraçado de falso-amor. Inteligente como é, sabe que amor mesmo só traz boas e agradáveis lembranças, nenhum sofrimento e paz, coisa que você não sabe o que significa faz tempo. A paz, contudo, invadiu o seu coração. De repente, você vai ver o mundo de forma prática e nada ridícula. As músicas e filmes existem e estão se lixando para você; os autores sequer sabem de sua existência e, se sonharem com a possibilidade, vão rir da sua cara por você achar que somente seu pezinho de Cinderela cabe no sapato de cristal.
A técnica é: não ouvir os discos e assistir aos filmes que o fazem recordar. Queime as fotos (obedeça sem hesitar). Não negue, pois todos sabem que você faz isso. Como é previsível a sua rotina de provocar lembranças, se acabar de chorar e se achar o último desgraçado da face da terra! Ó, por que logo você, que entregou seu coração? Chega! Pelo amor de Deus, você não tem mais 15 anos e não quer fazer os seus amigos sentirem náuseas ao ouvirem lamentações de tal ordem! Cultivar a autopiedade é causar repulsa nas pessoas. Ser coitadinho é pior do que ser corno. E disso você deve entender. Portanto, não provoque o vômito ao sentir nojo de si mesmo. Não provoque as memórias metendo o dedo na goela do imaginário que você reserva só para sofrer. Aproveite para descobrir novos autores, lançamentos e esquisitices legais. Em breve, será permitido voltar aos favoritos sem a mancha do intruso que lhe tomou a essência artística – momentaneamente. Vai de rumba?
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aprecie sem moderação
10 de setembro de 2008
A CARTILHA DO ESQUECIMENTO - Primeira parte
Passo I – Aceite, chore e lamente sua desgraça
Não que eu me ache sábia, a última das sofredoras, a espertinha-mór ou a dona do poço mais fundo. Mas que eu já cheguei lá embaixo, cheguei. E, como tantos, perdi muito tempo ouvindo o eco dos próprios gritos esconder o som do silêncio. O silêncio da paz que só nós mesmos irradiamos para dentro e para fora. E quando ela bate no juízo, que vergonha, que raiva, que horror termos nos deixado afundar! Passada a tontura, a raiva só volta quando vemos criaturas queridas passarem pelos mesmos problemas. Vontade de mostrar, por osmose, que há vida depois da fossa. É para esses amigos, que não conseguem deixar ir embora o monstro do armário que os trancafiou nas trevas da paixão e ainda os assusta, que dedico este pequeno e despretensioso manual prático da lobotomia: A cartilha do esquecimento.
Eu disse prático. Então, se a decisão está tomada, acredite nela: “não quero mais”. Repetiu três vezes em voz alta? Pois agora pode se envergonhar, se chamar de burro e dar uma tapa na cabeça. Sinta raiva desse picadeiro preto e branco onde o único palhaço foi você. E, o pior, não teve graça alguma. Lamente – mas só neste instante-flash. Lamentemos todos rapidamente a nossa desgraça. Não porque o outro seja desprezível, por termos protagonizado as cenas mais ridículas e levado tão a sério problemas hoje encarados como simples. Mas porque perdemos nossa autoconfiança, nosso amor-próprio e, principalmente, a sagrada vergonha na cara. Agora, respire fundo e se belisque: apesar de todo o drama, você (ainda) está vivo.
Passo II – Escolha seu sobrenome
Quando nos recuperamos de um tabefe grande no coração – talvez o maior da vida, o primeiro ou só mais uma surra de amor –, saímos meio anestesiados, flutuantes como um sem-gravidade. Como quem acordou depois de uma febre delirante ou sentiu o efeito maravilhoso do remédio após uma enxaqueca de morte. Não importa se queremos realmente morrer, voltar a sofrer no relacionamento-bomba ou se ainda estamos seqüelados. Os ombros estão leves e livres de um peso terrível. Fato. O que você vai fazer com essa sensação é a parte que lhe cabe nesse latifúndio. Sr(a) Livre-Arbítrio, qual seria seu sobrenome agora?
a – Masoquista
b- V de Vingança
c – de Calcutá
d – n.d.a
Direto ao ponto: faz de conta que não perguntei. Porque você pode optar por qualquer uma das alternativas, pode vestir a fantasia que quiser e orgulhar-se da nova máscara, mas continuará sendo o mesmo. Bingo! Vai simplesmente ignorar tudo o que sentia há pouco. O quê? Quem? Desculpe, não sei do que você está falando. Pode ter sido há dois meses ou há duas horas o trágico fim de Romeu e Julieta. Hoje você é Fulano da Silva Sauro, muito prazer. Do jeitinho que era antes de emprestar a identidade para sua personalidade demente, que, como você sabe, acaba de ser assassinada brutal e rapidamente pelo alguém de carne, osso e orgulho que você é. Incidente do qual você já nem se lembrará a partir de JÁ.
Eu disse prático. Então, se a decisão está tomada, acredite nela: “não quero mais”. Repetiu três vezes em voz alta? Pois agora pode se envergonhar, se chamar de burro e dar uma tapa na cabeça. Sinta raiva desse picadeiro preto e branco onde o único palhaço foi você. E, o pior, não teve graça alguma. Lamente – mas só neste instante-flash. Lamentemos todos rapidamente a nossa desgraça. Não porque o outro seja desprezível, por termos protagonizado as cenas mais ridículas e levado tão a sério problemas hoje encarados como simples. Mas porque perdemos nossa autoconfiança, nosso amor-próprio e, principalmente, a sagrada vergonha na cara. Agora, respire fundo e se belisque: apesar de todo o drama, você (ainda) está vivo.
Passo II – Escolha seu sobrenome
Quando nos recuperamos de um tabefe grande no coração – talvez o maior da vida, o primeiro ou só mais uma surra de amor –, saímos meio anestesiados, flutuantes como um sem-gravidade. Como quem acordou depois de uma febre delirante ou sentiu o efeito maravilhoso do remédio após uma enxaqueca de morte. Não importa se queremos realmente morrer, voltar a sofrer no relacionamento-bomba ou se ainda estamos seqüelados. Os ombros estão leves e livres de um peso terrível. Fato. O que você vai fazer com essa sensação é a parte que lhe cabe nesse latifúndio. Sr(a) Livre-Arbítrio, qual seria seu sobrenome agora?
a – Masoquista
b- V de Vingança
c – de Calcutá
d – n.d.a
Direto ao ponto: faz de conta que não perguntei. Porque você pode optar por qualquer uma das alternativas, pode vestir a fantasia que quiser e orgulhar-se da nova máscara, mas continuará sendo o mesmo. Bingo! Vai simplesmente ignorar tudo o que sentia há pouco. O quê? Quem? Desculpe, não sei do que você está falando. Pode ter sido há dois meses ou há duas horas o trágico fim de Romeu e Julieta. Hoje você é Fulano da Silva Sauro, muito prazer. Do jeitinho que era antes de emprestar a identidade para sua personalidade demente, que, como você sabe, acaba de ser assassinada brutal e rapidamente pelo alguém de carne, osso e orgulho que você é. Incidente do qual você já nem se lembrará a partir de JÁ.
Olhe-se no espelho. O mesmo bebezinho da mamãe, com direito a álbum de família, registro no cartório e curriculum vitae. A pergunta que vai te calar: A Bela Adormecida, por acaso, lembrou-se dos anos que passou roncando no castelo? A vovó de Chapeuzinho Vermelho se recordou das horas em que esteve na pança do Lobo Mau? Fênix pensa nos tempos em que era cinzas? Ah, faça-me o favor: esqueça. Você esteve cataléptico. Agora ressucitou.
Perda de memória recente será a patologia-desculpa para qualquer indagação a esse respeito. Se fosse submetido, neste instante, a hipnose vulgar, viraria adolescente, ficaria na posição fetal e voltaria até a vidas anteriores, mas não registraria o período em que deixou de controlar o próprio pulso. Quando eu disser “um”, você não recordará essa terrível época. Três, dois, um...ACORDE!
Perda de memória recente será a patologia-desculpa para qualquer indagação a esse respeito. Se fosse submetido, neste instante, a hipnose vulgar, viraria adolescente, ficaria na posição fetal e voltaria até a vidas anteriores, mas não registraria o período em que deixou de controlar o próprio pulso. Quando eu disser “um”, você não recordará essa terrível época. Três, dois, um...ACORDE!
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a seguir cenas dos próximos capítulos
9 de setembro de 2008
Doa a quem doer
A verdade pode doer, mas só quando o coração é falso. Não vejo virtude maior, qualidade mais viva, retrato mais belo do que sinceridade, clareza, lucidez, honestidade. Embora venerável, a verdade parece estar demodê. Soa estranho responder com franqueza aos questionamentos, íntimos ou alheios. Você é temido se vê a vida como ela é e fala sobre tal como tal. Repreende-se o abrir o jogo, o cartas na mesa e o preto no branco. "Você não pode entregar o ouro assim fácil"; "Se contas tua intimidade, perde o mistério"; "Amiga é o caralho". Então tá. O Ministério das Máscaras adverte: mostrar a cara pode causar constrangimento, temor e estigmas. Comigo funciona diferente: quanto mais os conheço como são, de cara limpa, mais os admiro. Pelo jeito, é mais um capítulo da série: Bonzinho só se fode.
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defensora das artes práticas
8 de setembro de 2008
Confissões de adolescente
A sensação de ter passado um fim de semana memorável, o sorriso quase perene, os flashes provocadores de emoções recentes, os calos nos pés, o sono acumulado e o pescoço dolorido. Um quadro digno da gloriosa época de adolescente, das viradas e atmosfera de "como será o amanhã?/ Respoda quem puder/ O que irá me acontecer?/O meu destino será como Deus quiser". O cenário não podia ser mais nostálgico: o velho Garagem. Depois dos programas iniciais, o fim de noite no recinto podreira, com som ótimo e cerveja quente caiu muito bem. Até o líquido precioso estava gelado - ou eu me encontrava tão eufórica quanto nas farras pré-25. Desceu bem. E o gosto ficou na boca, mais forte do que a ressaca pré-balzaca. Tudo bem que a energia é maior na fase mais jovem. Mas ao nosso favor, agora, contam mais responsabilidade, melhor seleção de companhias e, claro, todo o apurado do tempo. Quem disse que levantamento de filhos, sono interrompido e jogo-de-cintura não compõem um ótimo treinamento de ritmo e resistência?
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de volta ao antro
5 de setembro de 2008
O jogo da amarelinha
"Toco tu boca, con un dedo toco el borde de tu boca, voy dibujándola como si saliera de mi mano, como si por primera vez tu boca se entreabriera, y me basta cerrar los ojos para deshacerlo todo y recomenzar, hago nacer cada vez la boca que deseo, la boca que mi mano elige y te dibuja en la cara, una boca elegida entre todas, con soberana libertad elegida por mí para dibujarla con mi mano en tu cara, y que por un azar que no busco comprender coincide exactamente con tu boca que sonríe por debajo de la que mi mano te dibuja. Me miras, de cerca me miras, cada vez más de cerca y entonces jugamos al cíclope, nos miramos cada vez más de cerca y nuestros ojos se agrandan, se acercan entre sí, se superponen y los cíclopes se miran, respirando confundidos, las bocas se encuentran y luchan tibiamente, mordiéndose con los labios, apoyando apenas la lengua en los dientes, jugando en sus recintos donde un aire pesado va y viene con un perfume viejo y un silencio. Entonces mis manos buscan hundirse en tu pelo, acariciar lentamente la profundidad de tu pelo mientras nos besamos como si tuviéramos la boca llena de flores o de peces, de movimientos vivos, de fragancia oscura. Y si nos mordemos el dolor es dulce, y si nos ahogamos en un breve y terrible absorber simultáneo del aliento, esa instantánea muerte es bella. Y hay una sola saliva y un solo sabor a fruta madura, y yo te siento temblar contra mi como una luna en el agua."
(Rayuela - cap. 7 - J.Cortázar)
(Rayuela - cap. 7 - J.Cortázar)
3 de setembro de 2008
Descomplique
- Mas, amiga, ele tem muitos problemas. Por isso, mal tem tempo de me ver.
- Sei...e qual a última vez em que te ligou?
- Semana passada eu liguei...ele não retornou. Mas, coitado, está com trauma, né? Acaba de sair de um relacionamento tumultuado.
- Sabe um livro maravilhoso que estou lendo? Ele simplesmente não está a fim de você.
- Mas...
- Sem mas. Sem desculpas. Entendamos de uma vez por todas: quando um homem quer de verdade, ele pode ser o presidente da república, mas arruma um jeito de te ver, te procura, participa da tua vida. Caso contrário, esqueça. Ele simplesmente não está a fim de você.
- Faz sentido.
- Faz milagre! Agora não me aperreio mais. Se o cara não dá sinal de vida, dá uma de que "qualquer dia, a gente se vê" ou de "vamos marcar mesmo", é que não está suficientemente interessado. E eu não vou perder meu tempo esperando o telefone tocar, o msn piscar ou o carro dele buzinar. Foda-me ou foda-se!
- É a bíblia sagrada!
- Liberdade, minha amiga! Agora, a maior qualidade de um homem é gostar de mim e o pior defeito, não gostar. Se não aparecer, ou morreu ou não quer. E quem quer algo não-recíproco?
- Amém!
- No men!
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ele simplesmente não está a fim de você
2 de setembro de 2008
Isso de que não ouso dizer o nome
Não saberia responder. Não sobre ele, a interrogação. Os pretenciosos - e tão pobres - conhecimentos sobre a escorregadia alma masculina não parecem funcionar naquela atmosfera nebulosa que o circunda. E rarefeita. Tragam-me ar, por favor. Não, não me sinto bem assim nessa neblina - quente aqui. As mãos pegam fogo. Dêem-me água, imploro. Pensando melhor, sinto-me bem. Mas não sem assumir minha condição de analfabeta de seus anseios. Anseio por algo que nem sei se aceito. E ainda assim desejo. Ler, soletrar, pronunciar em seu ouvido tudo o que minha boca não ousa falar. Mergulho, pois, nessa névoa e permito-me embriagar de exclamações. Que as vírgulas fiquem embaixo dos lençóis. E o ponto bem longe do final.
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devora-me e te decifro
1 de setembro de 2008
Ninguém é de todo bom
Que eu perdi a fé no ser humano já confessei há algum tempo. Acho que, assim, é possível evitar problemas e sofrimento gratuitos. E não por viver com o desconfiômetro ligado - talvez até seja por mantê-lo sempre calibrado. Quando se alimenta a imagem ideal das pessoas, basta um rabisco, um amassadinho para que se frustre com a realidade. Afinal, quanto maior a expectativa, maior a decepção. Esperar sempre o bom das pessoas faz com que nossos alarmes apaguem e as defesas se desarmem. Aí, se (ou quando) vier a bomba, sentimo-nos apunhalados pelas costas, arrasados, mais baixos do que o chão. Por que não deixar o coração avisado de que seres humanos têm demônios e anjos dentro de si? Que se pode esperar tudo e, ao mesmo tempo, nada de alguém? Afinal, não é por que o amigo, namorado ou a própria mãe amam que estão imunes ao lado podre de toda criatura. "Mas como e por que ele teve coragem de fazer isso comigo?", disse-me uma amiga dia desses. E, toda vez que alguém me fala algo do tipo, dá vontade de responder: "porque você permitiu". A vida já é tão dura para que ainda nos deixemos ser pegos de surpresa por traições de todos os níveis...Não custa ser honesto consigo e perceber que somos capazes das piores atitudes, assim como das mais santas. Por que seria diferente com os outros? E, ao aprender a acreditar menos na linearidade alheia, nos treinamos também a acreditar em nós, na nossa capacidade de filtrar e equilibrar vícios e virtudes próprias ou dos semelhantes. É aquela coisa: ao ver um velhinho de barba branca, roupa vermelha e pança, pense que ele pode ser o avô rubro-negro fofinho de alguém, e não Papai Noel logo de cara!
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