
Passo I – Aceite, chore e lamente sua desgraça
Não que eu me ache sábia, a última das sofredoras, a espertinha-mór ou a dona do poço mais fundo. Mas que eu já cheguei lá embaixo, cheguei. E, como tantos, perdi muito tempo ouvindo o eco dos próprios gritos esconder o som do silêncio. O silêncio da paz que só nós mesmos irradiamos para dentro e para fora. E quando ela bate no juízo, que vergonha, que raiva, que horror termos nos deixado afundar! Passada a tontura, a raiva só volta quando vemos criaturas queridas passarem pelos mesmos problemas. Vontade de mostrar, por osmose, que há vida depois da fossa. É para esses amigos, que não conseguem deixar ir embora o monstro do armário que os trancafiou nas trevas da paixão e ainda os assusta, que dedico este pequeno e despretensioso manual prático da lobotomia: A cartilha do esquecimento.
Eu disse prático. Então, se a decisão está tomada, acredite nela: “não quero mais”. Repetiu três vezes em voz alta? Pois agora pode se envergonhar, se chamar de burro e dar uma tapa na cabeça. Sinta raiva desse picadeiro preto e branco onde o único palhaço foi você. E, o pior, não teve graça alguma. Lamente – mas só neste instante-flash. Lamentemos todos rapidamente a nossa desgraça. Não porque o outro seja desprezível, por termos protagonizado as cenas mais ridículas e levado tão a sério problemas hoje encarados como simples. Mas porque perdemos nossa autoconfiança, nosso amor-próprio e, principalmente, a sagrada vergonha na cara. Agora, respire fundo e se belisque: apesar de todo o drama, você (ainda) está vivo.
Passo II – Escolha seu sobrenome
Quando nos recuperamos de um tabefe grande no coração – talvez o maior da vida, o primeiro ou só mais uma surra de amor –, saímos meio anestesiados, flutuantes como um sem-gravidade. Como quem acordou depois de uma febre delirante ou sentiu o efeito maravilhoso do remédio após uma enxaqueca de morte. Não importa se queremos realmente morrer, voltar a sofrer no relacionamento-bomba ou se ainda estamos seqüelados. Os ombros estão leves e livres de um peso terrível. Fato. O que você vai fazer com essa sensação é a parte que lhe cabe nesse latifúndio. Sr(a) Livre-Arbítrio, qual seria seu sobrenome agora?
a – Masoquista
b- V de Vingança
c – de Calcutá
d – n.d.a
Direto ao ponto: faz de conta que não perguntei. Porque você pode optar por qualquer uma das alternativas, pode vestir a fantasia que quiser e orgulhar-se da nova máscara, mas continuará sendo o mesmo. Bingo! Vai simplesmente ignorar tudo o que sentia há pouco. O quê? Quem? Desculpe, não sei do que você está falando. Pode ter sido há dois meses ou há duas horas o trágico fim de Romeu e Julieta. Hoje você é Fulano da Silva Sauro, muito prazer. Do jeitinho que era antes de emprestar a identidade para sua personalidade demente, que, como você sabe, acaba de ser assassinada brutal e rapidamente pelo alguém de carne, osso e orgulho que você é. Incidente do qual você já nem se lembrará a partir de JÁ.
Olhe-se no espelho. O mesmo bebezinho da mamãe, com direito a álbum de família, registro no cartório e curriculum vitae. A pergunta que vai te calar: A Bela Adormecida, por acaso, lembrou-se dos anos que passou roncando no castelo? A vovó de Chapeuzinho Vermelho se recordou das horas em que esteve na pança do Lobo Mau? Fênix pensa nos tempos em que era cinzas? Ah, faça-me o favor: esqueça. Você esteve cataléptico. Agora ressucitou.
Perda de memória recente será a patologia-desculpa para qualquer indagação a esse respeito. Se fosse submetido, neste instante, a hipnose vulgar, viraria adolescente, ficaria na posição fetal e voltaria até a vidas anteriores, mas não registraria o período em que deixou de controlar o próprio pulso. Quando eu disser “um”, você não recordará essa terrível época. Três, dois, um...ACORDE!