17 de setembro de 2008

A CARTILHA DO ESQUECIMENTO - FINAL

IV – Vade retro!

Feito. Você vive os dias como se aquela desagradável presença nunca tivesse existido. Para tanto, se esforça, não em cultivar memórias negativas, mas em ser lúcido o suficiente para que enxergue o que realmente importa nesta vida bandida: você. Nada de bancar a Marina Lima e procurar um homem (ou mulher) pra chamar de seu (sua). Acredite: desespero só atrai desgraça. E, se acha que esteve cego no último relacionamento, ficará também surdo e mudo nesse fake nosso de cada dia.
No esforço de tentar curar um amor com outro, projetamos a imagem do nosso salvador, o maldito príncipe encantado que chegava do nada, nos contos de fada, e transformava qualquer inferno em paraíso. Ele é o culpado pelos nossos sonhos babacas de mocinha desamparada à procura de galopes no cavalo branco. Recém-quase-lobotomiado, basta aparecer o primeiro exemplar do sexo oposto, e ele se transforma no seu parceiro ideal. E o desencanto pode não acontecer em apenas duas semanas...
Querer alguém a todo custo geralmente indica que não estamos à vontade conosco. A companhia de si mesmo incomoda. Diria ele que “a ausência é uma presença mal resolvida”. Quer maior responsável pela nossa intriga conosco mesmos do que uma presença mal resolvida? Não basta decidir o fim; há de se espantar a presença, a entidade, o encosto que o acompanha dia a dia. Projeta-se o falecido como alvo de vingança, planeja-se atos que mostrem à alma-penada como você superou tudo isso. Como você é superior, adulto e poderoso, não? Rá. O poder é justamente o esquecimento, a abstração, a sublimação, o passar por cima sem se inclinar. Ao corterjar essa “presença mal resolvida”, você nunca deixará de ser a boneca do vodu, sendo alfinetada com cada atitude do coisa-ruim, cada informação, cada não-atitude também. Vade retro!
Não se vingue, não se importe com o que ele fale ou pense. Eis a etapa final do esquecimento saudável. Rememorar as dores, os motivos que levaram ao fim e as razões que justificam sua dor aparentemente infinda só vão manter o obsessor sempre ao seu lado, e sem sexo, cafuné ou ombro amigo. Deixe-o correr para a luz. Se não quer perdoa-lo, ao menos não o mantenha consigo por meio da mágoa. Mostre à sua segunda sombra a porta da frente e feche também essa aí de dentro. Mas não tranque. Quem sabe se o próximo a tocar a campainha não será você mesmo? Convide-se para entrar, tome um vinho e um banho quente com essa visita agradável. E deixe-a ficar. Sem ausência, a sua presença é bem resolvida. E quem vier encontrará a casa iluminada, boa música ambiente, cheiro de flores e um lado vazio na sua cama aquecida.

Um comentário:

Anônimo disse...

Rena, menininha danada! Ponto!
Beijo grande
PS - Queria mais uns capítulos...