29 de agosto de 2008

Pobre Justine

A jovem casta perseguida pelos sentimentos
mais baixos que a criaturas humanas podem ter.
Pobre Justine!
Os poderes do sexo perverso,
com requintes de crueldade,
fazem Justine sofrer os mais diversos tipos de
desventuras animais.
Mesmo acreditando no Bem
e em algo que a possa livrar dos seus infortúnios,
a moça não se vê em paz,
dada a caçada incansável
de seus perseguidores.
Sua fuga do prazer,
sua luta quase inocente
só agravam a fúria dos homens
que a querem dominar pela satisfação sensorial
de que ela tanto se esconde.
Crepax, Sade, tenham dó.
Pobre Justine!


27 de agosto de 2008

Pinta de palhaço


Ela deixava a gente intrigada. Uns olhos negros, pequenos, bem lindos, mas refletores de uma solidão que incomodava. Colecionava insucessos amorosos, apesar de sua doçura e beleza. E ninguém botava fé quando dizia que iria embora. Mas se foi. E não é que bastaram poucos dias fora da terrinha para que a maldição de outrora desse sinais de finda? As notícias foram chegando: "estou saindo com alguém maravilhoso"; "conheci um cara demais, que está doido para me levar ao teatro"... sim, superara a fase vuduzada (e longa) do zero-a-zero. Foi quando, entre sorrisos e orgasmos, flores e gentilezas, ligações no dia seguinte e conversas bacanas, ela registrou uma coincidência importante. Os três principais rapazes que a divertiram tanto eram atores. E nada proposital. Estaria explicado o bem representado papel de homem que amadores não costumam incorporar? Talvez. E a novela foi se desenrolando numa trama exclusiva de mocinhos, sem vilões. Mas, como todo enredo bonzinho atrai o baixo Ibope, começaram os capítulos de aventura. Quase se apaixona por um integrante de companhia de teatro que a prometeu o céu - mas a cena de nudez no palco a faziam ter que compartilhar o rapaz com outras da platéia. Depois mergulhou fundo no perigo ao sujeitar seu pescoço a um galã de olhos azuis...sem saber que ele era mesmo galã: um vampiro famosinho da novela Mutantes, da Record. "Meda!", pensou. Não imaginava o que viria pela frente. Saiu, em seguida, com um homem interessante, misterioso e divertido. "Ator você também? Que sina!". "Mas eu atuo de outra forma. Sou palhaço e mágico". Depois da gargalhada, ela ponderou sobre o que poderia ser uma noite encantada. Certa. Ao dar o primeiro passo no apartamento do rapaz, o primeiro susto: brinquedos, lenços e outros balangandãs decoravam todo o recinto. "São meus objetos de trabalho". "Ah...". O segundo momento de tensão a fez refletir se estaria bêbada demais. Um coelho branco pulou nos seus pés. "Aiiiiii!". "Calma, é Matilde, minha parceira de cartola". A terceira surpresa é impublicável. Mas a última foi o comportamento do palhacinho mágico no day after. O rapaz não fez o número do desaparecimento. Ligou, foi carinhoso e quis vê-la novamente para um "a seguir, cenas do próximo capítulo"...Soubesse ela antes que, se queria graça, bom humor, mistério e fantasia num só homem era só procurar um mágico-palhaço, teria fugido com o circo na adolescência! Agora queria mesmo explorar o picadeiro, a varinha mágica e os outros segredos do rapaz.

26 de agosto de 2008

A faca e o hímen na mão

Gravura de Pablo Picasso


Quando se vai chegando aos 30, certos assuntos/tabus/paradigmas/verdades distanciam-se da memória por falta de uso. O ainda não-uso do corpo para fins sexuais - ou seja, a virgindade - é uma dessas teclas atrofiadas pela intocabilidade. Isso quando não resolvem vir à tona casos considerados tão raros à essa memória pessoal quanto à sociedade indignamente dona dos postulados que devem reger a nossa vida. Mulheres e homens com mais de 25 anos podem nunca ter chegado às vias de fato? Mesmo com toda a facilidade nos assuntos putariais do mundo pornoglobalizado? Essas pessoas, se não estiverem mentindo sobre sua condição de não-iniciados, seriam ETs? Se a nós, ligeiramente safadinhos, soa estranho, imagine o que passa pelo íntimo da criatura que se encontra no estado de "pureza"?

Pelo menos 3 situações do tipo me foram confessadas nos últimos tempos. E, em todos os casos, o drama é grave. Bem longe de ser charminho, frescura ou frigidez, os tais virgens são vítimas das circunstâncias: "Nunca apareceu ninguém com quem eu pudesse ter alguma relação mais íntima", dizem, unânimes. Ok. Mas, para algumas criaturas, o problema está no que a transa representa: pecado, orgia, crime, perversão. Seja pela educação repressora ou por azar mesmo, o virgem de quase 30 anos entra num estado de desespero não pela ebulição nas entranhas, mas principalmente pelo rótulo inaceitável de membro (ops, desculpem a palavra) do Movimento dos Sem Sexo (MSS). Como participar de conversas sobre sexo sem parecer ingênuo? O que as pessoas vão pensar? E, nas oportunidades, vem também o medo de pagar mico com o parceiro. Aí fud...aí lascou tudo! O problema vai rolando na neve até virar uma bola desse tamanho...e não sobra espaço, no mundo, para os SS. Matar-se? Alguns apelam para prostíbulo ou, no caso das meninas, experiências até mais íntimas do que o coito comum: anal, oral, au-au, sei lá. Algumas fazem de tudo, mas na frente é proibido. Tudo por causa de uma pelezinha de nada...

Sinceramente, eu me comovo com o drama dos meus confidentes. Por isso, meu último conselho a uma integrante do MSS - apaixonada por um loiro e inacessível gigante (ai, pobrezinha...) foi: aproveita que és artigo exótico no mercado e confessa pra ele que és virgem. Toma uma anestesia alcoólica (via oral, claro. eu quis dizer, pela boca. Porra! ai...Você entendeu!) , abre as pernas e acaba logo com isso. Você tem a faca e o hímen na mão.

23 de agosto de 2008

Na feira de artesanato


Senhora A - Leve esse vestido, minha filha! Vai ficar lindo!

Mocinha A - É...tenho que ficar linda pra agradar meu namorado. Afinal, quero casar!

Senhora A - Se casamento fosse bom, não precisava de testemunha, filha...

Mocinha B - Concordo, senhora! Por isso que eu corro!

Mocinha A - Ah, mas é tão bom ter um ombro toda noite!

Mocinha B - E um par de chifres toda semana!

Senhora A - Hahahaha. Que cabecinha boa! Chifre é com ela ali...

Senhora B - Nem me fale. Levei tanto que estou tronxa. (banca vizinha).

Mocinha A - Mas nem todo homem trai...Né, Mocinha B? O que achas do meu?

Mocinha B - De homem se espera tudo...melhor a gente ir, né?

Mocinha A - Pois não vou levar o vestido!

15 de agosto de 2008

Parla!


Preciso criar um personagem. Alguém melhor do que eu...ao menos, mais atraente. Mais bonito, mais rico, bem-sucedido, intelectual, requintado e bem-humorado. Não...assim feliz e perfeito demais não vai convencer ninguém. Mal-humorado então, mas só de vez em quando, nos intervalos do sarcasmo. Isso! Nada mais interessante do que um homem belo, possante e sarcástico. Huuum...talvez devesse lançar mão de alguns desses clichês. Mas, sem lugar-comum, não teria graça. É, preciso de graça na minha vida. Quem sabe rir um pouco nem que seja da ingenuidade alheia? Alguém me aceitaria travestido do personagem? Seria eu capaz de seduzir, de longe, intrigar, atrair? Ah! Vou testar minha habilidade de persuasão. Sempre fui o melhor em manipular intelectos frágeis. Ou corações. Vou me ocupar, talvez me me divertir. Meu personagem será minha vida paralela. Ao menos agora terei vida. Fotografias de velhos amigos, bom gosto musical e literário, sensibilidade, charme e poder. E eu posso. Já pude! Criei. Sou eu, e estou aqui. Você acredita? Faça-me real, pois! Pode ser que o autor dessa façanha não esteja mais lá ou aqui quando meu sorriso, hipócrita, sair da tela.

10 de agosto de 2008

Sem sombra

(Tela Vampiro - E. Munch)

É hora, tira a máscara
Quero ver o que a alma esconde
O porquê de não ter sido nada
O para quê e o por onde

O sem nome
O sem mais
Encara sem perigo

Mostra agora a que te destinas
Qual o intuito do teu mistério
Observa meu pescoço exposto
Crava-lhe os dentes se te agrada
Mas a noite vai se acabando
E terás de comprar cigarros à luz do dia

Quem serás ao sol fervente?
Por que vens, se não te chamo?
Não nega, pois, esse confronto
Do intangível com nosso respirar

Se não és o que me pregaste
Temas não meu indicador, perdido em tua capa
Que sejas de outro nome e outro rosto
Um jardineiro, uma senhorinha

Já floriu, não tenhas medo, toda a essência que me faz súdita
És certeza, embora não existas

Mostra as mãos, mesmo calejadas
Toca, ainda que geladas
Pois conquistaste a paz dos meus dedos quentes
E te ofertarei um lenço ou uma bengala
Um café ou conversa fiada
Se fores só tu, sem sombra e de alma.


7 de agosto de 2008

Autodoação


Para os amiguinhos que riram da minha mudança de auto-suficiente para apreciadora da ajuda alheia (supostamente assumida no post anterior), a prometida letra da musiquinha que fiz aos 15 aninhos, na sala de aula, achando a coisa mais séria do mundo. Até os 18, alguns dos amiguinhos que já me conheciam cantavam e também achavam a coisa mais séria do mundo. Dois fizeram as melodias mais sérias do mundo para adaptar. Ah, como era bom ser a maior ridícula do mundo! Ao menos, ainda levo o rock'n'roll a sério...mas não preciso ser uma camisa-preta baixo-astral, né?
***
Autodoação
Nuvens frias pela praia
Peixes mortos no porão
Cortina de seda nos rochedos
Violetas pelo chão

Sintos as veias inflamarem
Com teus olhos torturantes
Pétalas e mantos negros
No marasmo de um instante
(Refrão)
Eu queria ser meu próprio caminho
Mas meu peito não sabe pulsar sozinho
Eu queria ser meu próprio caminho
Implorar sob os meus pés.
(2 x)

Preciso me dar uma chance
De lutar contra o inconstante
Digerir minha consciência
Pedir-meu um pouco de paciência

Enquanto meu barco não naufraga
Meu espírito não se afoga
Quero ouvir os meus próprios gritos
E morrer sobre a minha cova.

(Refrão)

5 de agosto de 2008

Primeira pessoa do plural

"Felicidade só é real quando compartilhada". A frase X do filme despretencioso ao qual assisti numa noite de domingo, a última de férias, ficou martelando no meu sono iminente (o último das férias?). Passamos tanto tempo da vida buscando a independência, a individualidade, o umbigo...até descobrir que contar o filme depois tem menos graça do que comentar com quem está segurando o saco de pipocas ao lado. Mostrar as fotos da paisagem apreciada nem se compara ao prazer de olhar e dizer nada a dois ou mais. E o compartilhar não significa enlace, companhia do sexo oposto. Simplório limitar de tal forma as relações. Dividir impressões, trocar confidências, falar sobre o óbvio, rir do mundo. Eis o não ser sozinho. Eis os pares e ímpares. O porquê de os álbuns de fotografia não expressarem mais do que as conversas nostálgicas sobre momentos vivenciados aos muitos. Os individualistas que me perdoem, mas companhia é fundamental. Passada a adolescência e os divisores de águas, fica mais gostoso experimentar o "nós", pois, além de se reconhecer a pobreza do "eu", elege-se com precisão os verdadeiros merecedores de um café, de um abraço, de uma confissão, de uma aliança. Apoiar-se nas próprias pernas e respeitar a identidade é sabedoria. Isolar-se no alto do ego, no entanto, é coisa de rebelde sem causa, charminho infantil, necessidade de provar uma auto-suficiência que não existe. Dessa perspectiva pequenina, a escolha do ser humano parece simples: expor-se à bagunça e ao barulho dos divinos/mundanos humanos ou (tentar) fugir do fantasma da solidão mantendo ligados a TV e o rádio.