5 de dezembro de 2007
As leis do compromisso
Compromisso é quando se compra um anel caro e se obriga o parceiro a usar para que fique clara a terceiros a posse de um sobre o outro. Ao menos é esse o conceito que parece nortear os relacionamentos. Só valem os contratos. Namoro, noivado, casamento, caso, amizade, parentesco, coleguismo, inimizade. Quando tudo se institui, passa a valer certa codificação com normas obsoletas que regem o compromisso. Fidelidade, honestidade, lealdade, bem-querer, respeito, gentileza...É, algumas normas em desuso, como disse. Os pactos sociais ainda são os que valem no mundo hipócrita de revista Quem, álbum do orkut e domingo na praia. O beijo apaixonado na esposa pode ter se tornado ornamento no porta-retratos; no orkut, os sorrisos brilhosos do grupo de amigas hermanas ostentando seus drinks numa noite ímpar podem não resistir ao dia seguinte, quando uma delas pede apoio além-bar; o atar das mãos na ceia de Natal pode se desfazer na volta pra casa, antes do deitar. Rótulos e bulas, mandamentos e dogmas, instituições e convenções...compromisso? A verdade que falta nas fotos pode valer na relação com o porteiro do prédio, o garçom, a avó da amiga, o desconhecido da internet, o estagiário. Se não há respeito entre as partes de contratos sólidos e assinados, que dirá nos relacionamentos avulsos? "Não temos compromisso" virou senha de acesso a justificativas de atitudes incovenientes. Traição, descaso, acusação, sabotagem, abandono, desrespeito...nada disso existe mais, por culpa do não-compromisso! "Não sou, logo não devo". "Não é minha responsabilidade"...argumentos não faltam. Sobram corações partidos, sentimentos banalizados, laços desfeitos do que nunca se fez. Laços concretos e também abstratos, como tinha o casal de mendigos do sensacional filme Dolls, escravo de sua culpa, compromissado com o amor, alianças em outras mãos.
Eu creio no compromisso com o próximo e leio a cartilha Todos merecem respeito. Como aprendiz, erro, cometo delitos, negligencio às vezes a norma da gentileza comum. Mas acredito na lei do Bem Comum e me enquadro nessa constituição. Mesmo quando estou no banco dos reús, após sentenças difíceis.
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16 comentários:
Singular e bem íntimo pra mim.
Abraço. obrigada.=**
Amo você e espero vê-la amanhã.
Não importa o compromisso nem a falta dele. Quem faz mesmo a diferença é o usuário... Tem gente q usa a falta de compromisso como muleta, por outro lado existem aqueles q dão ao compromisso a mesma finalidade! =/
ps.amanhã é dia de abraçar e dar muitos cherinhos...
A descortesia numa relação pode ocorrer de formas muito sutis; às vezes o descortês nem percebe, mesmo que se evidencie. Quem não quer ver ...
Atribuo também a descortesia ao orgulho ferido, isso até dá pra entender, embora não justifique nada.
E a fulga de compromisso pode estar ligada ao querer "colecionar outros(as)" ou ao "não saber o que quer", mas também no "não bastar": se o sujeito quer colecionar,então uma não basta; se o sujeito não sabe o que quer, então ninguém basta.
Porém, há ainda o "tertiu genus", que não faz do sujeito um colecionador voluntário, dos que fazem lista no caderninho: o caso em que a pessoa, ou as pessoas, com que o sujeito se relacionou não lhe bastou, ou não bastaram, por não ser(em) o que ele procurava.
Aquele para quem ninguém basta é o conquistador (galinha).
Aquele que não sabe o que quer é o típico homem contemporâneo (e a mulher, também).
Aquele que procura e não acha é o subjugado pelo mito do amor romântico, consciente ou inconscientemente.
Se não houve compromisso foi porque aquele não bastava; seja porque o outro procurava mais, seja porque o outro não sabia o que queria. Em nenhum dos casos há o que se possa fazer: não nos tornamos mais do que somos, nem decidimos pelo outro.
É aqui que reside o erro do Pequeno Príncipe: não é verdade que o outro é responsável por nos ter cativado.
Os ritmos estão muito hedonistas, falta paciência. Algumas pessoas evitam compromissos porque querem grandes excitações.
Por outro lado, a proposta do relacionamento sem compromisso pode até funcionar durante um período inicial, normalmente por medo de se entregarem, mas naturalmente o prazer de estarem juntos faz com que a relação vá se fechando, cada um começa a fazer sua opção de estar com o outro naturalmente, sem exigências e cobranças.
Entre uma hipótese e a outra, está toda a condição humana..., ou seja, atualmente há seis bilhões de nuances para essa situação.
No Século XIX, ainda havia um padrão de comportamento. Hoje, nada.
Estamos à deriva.
Assim, é claro que ainda restam alguns que seguem padrões tradicionais de comportamento o que não deslegitima a análise, antes demonstra seu caráter de processo.
E se não assumir compromisso é sinomino de modernidade, Baudelaire, no Século XIX, sustentou: "Il faut être absolument moderne!" ("É preciso ser absolutamente moderno"). Mas no Século XX, a Escola de Frankfurt decretou que ninguém consegue ser moderno todo o tempo.
As pessoas precisam de trégua, de entendimento, de compreensão - ou melhor, de compreender o que move o outro.
Obrigada pela rica contribuição dissertativa e embasada teoricamente, Marcelo. Quem sabe, sabe. Volte sempre!
Boba!!
Como pode assim?
Te adoro mesmo chatinha!
Feliz aniversário, natine.
Putz, ainda bem que não estou ficando louco.
Belo, belo poder de traduzir em palavras os sentimentos do teu e do nosso mundo, Parabéns duplo! =)
Realmente é intrigante todo este desgaste físico e emocional contemporâneo que nos coloca à deriva. Não que não houvesse, tempos atrás, horrores que tornavam mudas as pessoas por não conseguirem explicar os desconfortos, mas é que agora estamos na ordem do indivíduo dito livre para ir e vir e sob sua própria responsabilidade; não de um oligarquia ou religião. E cada drama torna-se existencial único e, ao mesmo tempo, comum.
Também igual se mostra a dinâmica do processo de identificação. O que favoreceu a institucionaliazação dos compromissos numa época e hoje, no caso, a constatação da falta deles.
O que particularmente me intriga é: por que deixamos aquele modelo e passamos a adotar este?
Só posso concluir que este tal estado de incompletude atual favorece o consumo e faz a roda viva do mundo capital-globalizado girar!
Tornamo-nos seres desejantes de algo que nunca chega; nunca satisfaz; nunca sacia, mas estamos sempre a procura dos produtos/pessoas (a procura é a dinâmica natural-a mesma-mas o não se satisfazer parcialmente, pelo menos,é novo, assusta e intriga). Acho até que a palavra "demanda", que significa "em busca"; " em procura", nunca esteve tão em voga!
Estamos vivendo uma fase transitória realmente..Não queremos nos ater a costumes e tradições ditas antiquadas e pouco convidativas, mas também não conseguimos viver sem a idealização de amor, por exemplo. Neste interim, esvai-se coisas vergonhosas, como a submissão da mulher no casamento de 50 anos atrás, mas vai-se também o cuidado, o apego e a gentileza que ainda tanto nos faz falta..é, intrigante!
Muito pertinente tua colocação Carolina, concordo. Quanto ao teu questionamento "por que deixamos aquele modelo e passamos a adotar este?" Émile Zola, num opúsculo chamado "Como se Casa, Como se Morre", escrito no Século XIX, faz uma comparação sobre os modos de amar e de casar nos séculos XVII, XVII e no próprio XIX. (recomendadíssimo, pois ajuda a entender muitas questões)
A mulher descrita por Zola como sendo a do seu tempo convive com homens diariamente até seus... sete anos de idade. A partir de então, os homens vão para a escola, a mulher fica em casa. Os homens vão para o mundo, para fazer e reproduzir o mundo; enquanto a mulher aprende a cuidar de casa, a fazer as operações matemáticas básicas, que ajudam na economia doméstica, e a receber, coser, cozinhar, essas coisas intramuros.
Quando chegam aos quinze anos, são totalmente estranhos um para o outro e não têm sobre o que conversar, nada no outro há de interessante ou convergente, a não ser o desejo, quando surge. Esses dois estranhos serão casados a partir de contratos entre as famílias.
Zola expõe quatro perfis para o desenrolar de casamentos assim. Da mais alta classe, à mais baixa. A coisa não dá certo em nenhuma, a não ser na mais baixa, em que resquícios de animalidade permitem que a coisa siga seus trâmites por conta da pele (que não entra nas "contas" dos demais estratos).
Hoje encontramos um mundo diferente, mas ainda em transição. Os próprios interessados escolhem seus parceiros.
Somos a primeira geração a viver após o fim da natureza, diz Giddens. Isto se aplica, também, ao que de natural havia nas relações afetivas, aduzo eu.
Todas as "novas sexualidades" têm a ver com a disjunção entre sexo e procriação. Isto está na raiz da revolução sexual, que dependeu da pílula para acontecer.
Amor sempre teve a ver com procriação, quiséssemos ou não. Até o advento da pílula.
Hoje, com AIDS, pílula, camisinha, internet, ecstasy, acabou a relação entre sexo e procriação, e surgiu a "relação pura" (termo cunhado por Giddens, também). Ou seja, uma relação construída sem tradição, sem intenção predeterminada de procriar, estabelecida exclusivamente pelas regras ditadas pelos que dela participam.
A questão é: quais as conseqüências, quais os comportamentos, quais as transformações no trato com o outro que todas essas variáveis introduziram na vida em sociedade, e que dão os contornos aos relacionamentos atuais?
O problema é que ninguém sabe a resposta, porque não há uma resposta única. Não há uma unidade, um padrão que responda pelas atitudes de hoje.
Tantas foram as conquistas sociais e tecnológicas, tantas foram as transformações de mundo e de perspectivas, que hoje não sabemos bem o que fazer com isso tudo, sequer sabemos o que queremos disso tudo.
Agora convenhamos que inventar uma nova relação por completo, a cada nova pessoa - porque a rotatividade é outro dado dos novos tempos, que tem a ver com o processo de coisificação - enfim, convenhamos que reinventar a roda, e adequar "o meu mundo ao seu mundo", sendo que esses mundos se tornaram extremamente complexos; que estabelecer regras a cada nova possibilidade de vida a dois, que precisam ser aceitas e discutidas, construídas do zero, tornam o nosso mundo um tanto difícil.
"Cortaram a cabeça a um certo senhor, mas como depois estourou uma greve e não puderam enterrá-lo, esse senhor teve de continuar vivendo sem cabeça e arranjar-se bem ou mal."
(Julio Cortázar, "Acefalia", em Histórias de Cronópios e de Famas)
Este é o nosso Tempo, vamos ter de lidar com ele bem ou mal. E sem norte.
Sem cabeça.
De novo Cortázar:
"Tudo parecia natural, como sempre que não se sabe toda a verdade"
(Em "Carta a uma Senhorita em Paris", logo antes de a personagem que escreve isso passar a vomitar coelhinhos)
Só pra tirar uma com a minha cara, porque enjôo aqui é bóia!
=/
Muito obrigada, Alexandre. Gentil (desculpe o trocadilho óbvio!) da tua parte. Gostei dos teus traçados também. Visitarei sempre. Quanto a Marcelo, é difícil descrever assim, de forma rápida, mas digamos que seja uma criatura de extrema inteligência e doçura e, ao mesmo tempo, de um gênio beeem forte (como o meu), mas sempre sensato nas idéias, como vês. Mora em BSB. (agora ele que se apresente, né? =)).
A propósito, meus queridos, concordo com as teorias apresentadas e tantos ensaios e estudos acerca das relações pós-modernas e coisas enquadradas na Era dos Extremos. Mas ainda creio que o ponto de base está no indivíduo. Na capacidade individual de ser ou não ético, se esconder ou não nos traumas, acomodar-se ou não diante das mazelas cotidianas. Esse ser tão simples e tão complexo, que se multiplica nos erros e reflete em multidões catalépticas diante do que há de bom neste mundo maldito.
Marcelo? Oia eu aqui...rsrs
Fala senhor Alexandre Gentil, deixei comentário no teu blog, já.
E Rê, muito suspeita tua descrição, visse?
Mas concordo com o sr. Gentil, és maravilhosa e gosto muito. Uia!! rs
=***
Sempre leio o teu blog, mas nunca havia comentado antes. Eu acho que só alguém muito especial poderia escrever dessa jeito.
Gostei muito, de verdade!
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