25 de junho de 2008

Casa Amarela

The Yellow House - Van Gogh
De volta à casinha amarela, de onde parti tão cedo. Agora as casas são muitas. E de todas as cores. As pessoas, contudo, são as mesmas. O rapaz que conserta sapato do mercado, a manicure, o senhor da venda...Os meus cabelos também já mudam de cor. Minha casa não é mais dourada. Amarelo o meu sorriso, por vezes...mas sempre presente. Como as casinhas e os becos, os morros e as vielas. As crianças de hoje se encantam com o cenário onde já joguei bola e brinquei de esconde-esconde. Mas eu também podia de noite. As crianças de ontem inda batem na minha porta. Não são mais meninos-amarelos. Nunca saíram das ruas velhas nem das memórias daquele sol a se pôr quase alaranjado...ou cor-de-rosa. Prédios cutucam o céu, mas os transeuntes parecem não se incomodar. Também eu não me importo. Da minha casa, tudo é alto. E olhar para cima permite vislumbrar arco-íris. Fecho os olhos e sinto o cheiro de chão molhado. Calçadas sendo lavadas pelas senhoras de lenço na cabeça. E elas sorriem, como outrora. Vejo meu avô chegando, e o cheiro agora é de pão quente. Pastel de nata na boca e - Depois eu como, vô. Vou pra rua! Ao abrir os olhos, vejo as crianças pulando, agoniadas. Elas balbuciam "pa rua". E vou com elas, saltitante. Pras ruas de Casa Amarela.

18 de junho de 2008

Escolher o bege


- Não podemos ficar com o móvel...ela disse que não é o "nosso tipo". O nosso tipo é bege! Lá em casa agora tudo é bege. Parede, móveis...até a cama bege!

- Hunrum...

- Sabe, estou pensando em pintar a parede do quarto de vermelho. Vermelho me recorda você, de alguma forma. Lembra de quando estávamos juntos e você me deu aquela camisa vermelha? Acho que é isso. (...) Poderia ir me visitar um dia e ver o resultado da parede...

- Pensei que você preferisse bege...


***
Há quem opte pela salada quando prefere a massa. Há os que usam calça de pregas quando queriam estar de bermuda. Há aqueles que preferem preto a branco, mas não querem chocar com o tom escuro. Há homens que se apaixonam pelas mulheres inteligentes fascinantes, mas casam com as burras inofensivas. E há quem prefira bege.

15 de junho de 2008

Tudo novo de novo


Mudar, trocar, transformar, descobrir, desprender-se, desamarrar, experimentar, enfrentar, surpreender-se, esperar, ansiar. Verbos com ou sem seus complementos que sagitarianos conjugam com prazer. Novos ares, novo lar, nova rotina. Eu disse "rotina"? Não, não. Eu disse "nova". Ambiente diferente para outras situações que, espera-se, sejam inesquecíveis. Tanto quanto as que foram vividas no velho abrigo. Do jeito que se gosta: em pouco tempo, cirscunstâncias drasticamente diversas, quase opostas. Revoluções do ontem-e-lá. Expectativas no aqui-e-agora. Sacos de lixo cheios, doações, desapego... Cheiro bom de tinta e papelão...que venha o desconhecido e, pela própria natureza, fascinante e admirável mundo novo!

12 de junho de 2008

Feliz Dia dos Nãomorados!


Estranhamente gostosa a sensação de estar solteira pela segunda vez em 14 Dias dos Namorados. Principalmente porque, diferente daqueles períodos de solidão e ansiedade por que todos passamos entre relacionamentos - romances ou tragédias -, considero-me uma desnamorada enamorada. Sem namorado, mas por opção; sem paixão, mas sem dor; sem aconchego permanente, mas também sem nóias. Bom demais se enamorar da vida, dos filhotes maravilhosos, dos amigos de ontem e de hoje, do mundo e suas cretinices, risíveis ou não. E o "estar solteira", depois dos vinte e poucos e algumas lapadas (na cabeça e na rachada, claro), ganha outra atmosfera. Não aquele desespero para aproveitar cada instante em farras, paqueras e escrotices. E sim a sensação orgásmica de não ter compromissos, preocupações ou planos com alguém no Dia dos Namorados, por exemplo. De passar sexta e sábado à noite em casa, e daí? De o coração não sair pela boca quando toca o celular - seja quem for, espera ou liga de novo. De sentar numa mesa de bar com número considerável de homens (bonitos), sair sozinha com um amigo ou rir das cantadas masculinas, sem ter que justificar que nada disso obriga você a dar bola. Ficar sozinha, mas com o coração livre, sem a prisão da mágoa, do arrependimento, do trauma ou da saudade. Ficar sozinha e assim querer permanecer, mas sem se fechar às possibilidades. Não ter desespero de ligar para o gato absurdamente delicioso que te convida insistentemente para sair por preferir alguns momentos com aquele menos beldade que nem suspeita encantar. Poder decidir entre A e B pra programas X ou Y. Poder preferir tomar vinho sozinha ou sorvete Luluzinha. Hoje...Dias dos Namorados feliz pros casais felizes que amam, sem amarras, obrigações e encrencas! Triste Dia dos Desmoronados pros que vivem de aparência e enganações consigo e com o outro! E para nós: feliz Dia dos Nãomorados!

10 de junho de 2008

O sexo e a cidade


A cidade urge. As luzes são leves...e mornas. Bom. As cores da aquarela perdem o sal frente às nuances metropolitanas. Os prédios arranham a boca. O sexo cheira a rosas vermelhas. Batom carmim. Pescoço...lenços e plumas deixam levitar o coração. Quatro partes...quatro pontes. Cabelos textura de céu. Na tarde cinza da ilha de pedra. Nos peitos rubros de mulheres de aço.

8 de junho de 2008

Confissão

Odile Redon, Les yeux clos

Aborreço-te muito. Em ti há qualquer cousa
De frio e de gelado, de pérfido e cruel,
Como um orvalho frio no tampo duma lousa,
Como em doirada taça algum amargo fel.

Odeio-te também. O teu olhar ideal
O teu perfil suave, a tua boca linda,
São belas expressões de todo o humano mal
Que inunda o mar e o céu e toda a terra infinda.

Desprezo-te também. Quando te ris e falas,
Eu fico-me a pensar no mal que tu calas
Dizendo que me queres em íntimo fervor!

Odeio-te e desprezo-te. Aqui toda a minh’alma
Confessa-to a rir, muito serena e calma!
……………………………………………………..
Ah, como eu te adoro, como eu te quero, amor!…

(Florbela Espanca)

5 de junho de 2008

Mudou de signo aos 28


Tudo bem que, entre 28 e 30 anos de idade, ocorre o primeiro retorno de Saturno, ou seja, o planeta em trânsito se posicionará no mesmo local em que ele estava no momento de nascimento do indivíduo e iniciará nova volta em torno do zodíaco. E que, a partir de então, "não há mais tempo para ilusões e sim para definições e responsabilidades". Todavia, uma moça, em especial, resolveu dar a prova de que o zodíaco é o dono da verdade. Literalmente. Completos os 28 anos, a criatura não só mudou de trânsito saturnino, como mudou de signo! Nem faz o perfil distraída ou desinteressada das coisas astrais, coitada. Mas, pouco depois do 28º aniversário - 20 de março -, olhava, sem querer, um site de astrologia. Ao chegar aos escritos sobre seu então signo querido de coração e nascimento, Peixes, deparou-se com a pergunta: "de que horas você nasceu?".

- Rá! 22h10, oras...sei nem por que essa pergunta, resmungou.

Tamanha surpresa não tivera nem ao ser bulinada pela Monga - a mulher gorila, no parque de diversões do Interior, quando criança: seu signo não era Peixes, mas Áries. Depois de quase desmaiar e ligar para pessoas zodiacalmente informadas, elaboradores de mapa astral, etecétera, a moça entrou em depressão. E todo o romantismo, os sonhos, as emoções piscianas de cada dia? Seria agora uma ariana torta, viveria de amor profundo? É, seu gênio era muito Áries mesmo...cada marrada era um flash! Mas gostava da figura dos peixinhos singelos e sonhadores na seção horóscopo das revistas! Poxa!!!

Como não havia mais dúvida mesmo, resolveu ir em frente. Qual seria o ascendente? Na bucha: Sagitário. Da depressão profunda, partiu para a euforia absoluta. Claro que tinha que ter sangue sagitariano: dali viriam seu espírito livre, a comunicabilidade, o quê sensual e o bom-humor. Uau! No fim das contas, foi bom. Não era como os simples mortais: tinha três signos em sua aura. Peixes, Áries e Sagitário.

- Quando convier ser de Áries serei. E, quando for melhor ser de Peixes, para agradar uns e outros, não hesitarei em ser o signo antigo, concluiu, esperta (e um pouco bipolar!).
E assim foi viajando com Saturno em suas voltas...até os próximos 28 anos, quando a moça (ou melhor, a coroa) pode ganhar mais um ícone animal do horóscopo e uns traços de personalidade diferentes na caixola.

2 de junho de 2008

Do homem e do jogo

O Jogo de Cartas - Balthus
Jogo é jogo, e ganha quem pontuar mais. Afinal, para boa parte dos homens, o lance é vencer nem que seja nos acréscimos do segundo tempo. Se eles já acreditavam estar com a bola toda, agora ninguém segura o placar, já que os boys (acham que) descobriram o segredo da conquista: o desprezo. Se o velho termo "cu doce" era sinônimo de frescura feminina ao esnobar os rapazes num charminho clássico, eles passaram a vestir o padrão "nem te ligo" para atacar o adversário pelo ego. O livro O jogo — a bíblia da sedução (Editora BestSeller) é o manual elaborado pelo treinador dos machos esnobantes Neil Strauss para formar um time vencedor de conquistadores. A obra ensina a ganhar as gatas na balada por meio da manipulação da auto-estima feminina. Conversar com todas do grupo, menos com "o alvo", fazer críticas e piadinhas irônicas com a dita cuja e deixar as coisas para um segundo encontro são algumas das dicas. A triste constatação, no entanto, é que eles acreditaram. Tsc tsc. Sim, depois da publicação da matéria a respeito do livro num jornal local, algumas histórias engraçadas ocorreram por aí. Amiga X que o diga. Havia uns dois meses, ela protagonizara o que chamou de "a noite mais erótica"que tivera: os três homens da mesa não só a disputaram como brigaram entre si, ressaltando suas vantagens em detrimento dos defeitos dos concorrentes...apesar da disputa para ver quem a levaria, ela foi pra casa sem nenhum. Estaria tudo normal não tivesse um deles lido O jogo. Sim, como não? Pois que o rapaz - o mais velho e mais interessante dos três -, com quem já havia saído uma vez, resolveu ligar, numa sexta-feira, antes das 9h, pra falar do tempo e de "como vão as coisas no trabalho?". "Certo, estaremos todos no bar de sempre mais tarde", combinaram. Como não fazia o tipo sociável e ligador e ele só havia ligado mesmo no day after - havia quase um ano -, X estava certa de que a mensagem era: "vamos amar!". Ahá! Não contava com a astúcia do jogador. Quando ela chegou no bar, acompanhada de uma amiga em comum, o boy estava lá (costumava chegar sempre bem tarde), de banho tomado e cheirosinho (era hábito ir direto do trabalho, todo sebentinho) . Eram quatro, e dois deles iriam embora cedo. Mas o rapaz preferiu esnobar, se vingar da noite erótica, provar que era melhor ou coisa do tipo. Pérolas do zagueiro: "Não dá pra te deixar em casa". "Por que você não pede logo o táxi?". "Suas mãos são lindas, só estão maltratadas". Sim, e ela chegou em casa 23h, passada com o ressentimento ridiculamente exposto do rapaz. Ele deve ter chegado em casa gargalhando...e visto um pouco de TV, coçado e ido dormir chupando o dedo. Que divertido! Talvez outro jogador tenha se divertido em iguais proporções, ao contar vantagens e calcinhas que estava rasgando para a menina, no mínimo, bem intencionada que o deixaria na posição do melhor arremesso de três. Mas ele preferiu esnobar um bocadinho, ou melhor, falar daquela do passado e esperar pela outra do futuro, que, com certeza, eram mulheres dignas dele...mais TV. Mais gols. Menos pipoca e diversão. Que os jogadores saibam: deprezo é coisa pra quem tem auto-estima baixa ao ponto de precisar de jogadas ensaiadas para marcar. E os pontos ganhos são mulheres superficiais, que, quando sentem insultada sua beleza, têm que provar que são mais que as outras. Psiu!! Senta, que começou o segundo tempo! O jogo deve virar...