26 de dezembro de 2010
Mulheres ruminantes
Pode guardar no bolso a piadinha óbvia de deduzir da expressão a figura vaca. Trata-se sim de pessoas que ruminam, de mulheres que ruminam algo além do capim - igualmente propício a exaustivas mastigadas -: sentimento. Era assim que ela se sentia, disse à amiga enquanto brincavam. Sim, após uma noite de vinho, Roberto Carlos, castanhas e muito chocolate, restava-lhes o desafio de montar o brinquedo novo das crianças, que, apesar de recomendado para a faixa a partir dos 5 anos, custou-lhes de 40 a 60 minutos. Era como tentar compreender aqueles homens - matos indigestos que, sabe-se lá como e por que, estavam ali nos compartimentos estomacais do coração. "- Estranho como realmente me sinto ruminar todos os amores. Posso sentir o gosto amargo agora mesmo", traduzia. Talvez por reflexo, a amiga pôde sentir certo fel nas papilas gustativas. Ruminava também mágoas de outrora e de pouco atrás, todas juntas, como formassem um musgo travoso de umbu-cajá. Devia ser o fim de ano. Ou o vinho que avinagrava depois das tantas. Sentiam-se, no entanto, empachadas mais de um sem-fim de frustrações do que qualquer alimento em demasia. Talvez fosse a hora de digerir de vez ou de botar pra fora cada rancor mal engolido, cada azia suportada, cada amor posto goela adentro. Podia ser difícil como o jogo de montar infantil. Mas havia de se conseguir, mesmo que muito tempo depois do limite recomendado para maiores de 5 anos.
19 de dezembro de 2010
O adeus e o por-do-sol
Mal lhe disse adeus, embora quisesse seguir com ele, ou mesmo aceitar o seu até logo. Se fosse um logo. Não pôde, no entanto, usufruir da dor daquela despedida. Não porque ele não soubesse que se tratava de uma, mas por causa da mania dela de sufocar. Engoliu o fim, como sorvera antes tantas vontades, mágoas, goles de um amor que não se ia. Não podia chorar aquele último ato de algo tão intangível quanto real. E, por isso mesmo, tão difícil de se esquecer. Pior seria insistir nas ilusões que se alimentavam a cada cotidiano compartilhado, cada sonho fabricado, cada doçura exalada. Perto dos açoites da realidade, elas mais do que morriam, matavam. Que explodissem dessa vez! Não podia mais ser tão feliz ao seu lado sem estar, de fato, ao seu lado; e, portanto, estar tão triste. Sentir-se tão plena nas esmolas do tempo que ele lhe doava, e tão partida a cada ausência cruel. Chegara o momento de ir, mesmo que ele nem se desse conta. Estariam ambos ainda tão perto - e os sentimentos solitários ainda tão atados àquele que a idolatrava de um jeito tão sagrado que doía...O futuro, no entanto, a chamava para outros tempos. Outros sonhos, talvez. Sabia que as tardes não teriam o mesmo gosto de vida. Mas havia chegado a hora de desvencilhar-se daquela vida alheia, que pertencia a outras tantas que não à sua. Que os dias não fossem tão cinzas sem o sol que tanto se pôs a nascer na sua janela. Que o porvir trouxesse a paz necessária a um entardecer ameno.
9 de dezembro de 2010
Eu ego
O povo diz que é coisa de gente que tá ficando velha. Mas que neguinho se garante muito mais sendo um tiquinho egoísta, isso é verdade. Nada de deixar de pensar no próximo, de ajudar os neessitados...sim, é isso: ne-ces-si-ta-dos. Dar a quem precisa é mesmo do bem. Porém pra que ficar ajudando todo mundo que não carece tanto assim? Tecla SAP: você não perde uma comemoração de aniversário dos seus 593 amigos virtuais, mesmo que te custe dinheiro pro presente, conta do bar e horas de sono. Seu ombro está sempre à disposição daqueles que acabam o relacionamento e querem morrer, mesmo quando eles reatam no dia seguinte, quando obviamente você já perdeu toda a programação antes planejada. Sempre sai da dieta para acompanhar aquele amigo na cerveja, porque ele está "precisando mesmo relaxar", sendo que a balança ri da sua cara, enquanto ele se serve, satisfeito, de sopa de ossos por aí. Corre-se o risco de parecer uma coisa Maria do Carmo (Vale Tudo), mas vamos lá: e o que você ganha com isso? Quem disse que, pra ser legal, é preciso sustentar vagabundo, ser usado por volúveis e inseguros de plantão, perder noites de sono e ingerir calorias a mais porque os outros coleguinhas precisam satisfazer seus desejos imediatos? Jesus é que não foi, né? Consideração? E eles estão tendo por você, que tá no vermelho, devendo até a alma (penada), se acabando de gastrite e deixando de estudar praquele concurso? Por você, que finge orgasmo pra não noiar o parceiro fraco? Ou por você que vai casar porque prometeu ao bichinho? Vai arrumar um lugar no Céu pelos sacrifícios feitos em prol de paspalhos mesquinhos parasitas dos infernos? Rá. Pois que seja velhice então. A ordem é priorizar pronomes e verbos em primeira pessoa. A moda é dar a egípcia nos sanguessugas de bonzinhos e distribuir alguns nãos. A boa é pensar se "foi bom pra você, meu bem". Mirem-se nos exemplos daquelas crianças de Atenas. De qualquer lugar. Possuem o mais saudável egoísmo, o mais puro respeito ao eu: "é meu". "eu não vou receber também, não, é?". "é minha vez de ganhar". "sou eu o melhor". Infantilizemos nosso ego. Sem soberba, mas com a satisfação do cliente garantida. Ou seu dinheiro de volta.
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