27 de julho de 2009

Retrô


Difícil, mas menos triste do que imaginava admitir a nostalgia como companheira de vida. Emitir repetidamente o mantra "na minha época", observar fisionomias inertes em resposta à sua empolgação durante um Depeche Mode song, dividir espaço com senhoras quase idosas para tocar os pelos do braço de Paulo Ricardo (afemaria). Mais do que um sinal de Balzac, ter naftalina no sangue tem gosto de Xaxá. Fechar os olhos ao ouvir A little respect (Erasure), qualquer uma de The Smiths, blablabla é como assistir aos melhores filmes da prateleira, sendo você o protagonista de cenas românticas, cômicas e bizarras. O gosto pelo antigo perde um pouco o controle quando você ganha apelidos como Jukebox, Pablo ou Rosana, é verdade. Mas há vantagens inúmeras em ser um tipinho anos 80, como o fato de ser taxado de ridículo pela própria natureza, sem causar espanto se aparecer com camisa preta de Legião Urbana ou ursinho Blaublau na mão. Além de momentos solitários de diversão, as lembranças da "nossa época" podem causar gargalhadas em grupos - com exceção de estagiários e primos adolescentes, que te olham como E.T durante os comentários -, festinhas animadas, karaokê engraçadinho, entre outros programas que lhe façam lembrar de como você já foi divertido. Não que seja tedioso curtir as modernidades e artifícios de vanguarda; mas lembrança boa é uma delícia. Saudoso amante profissional, que era moreno, alto, bonito, sensual e ainda a solução dos seus problemas. Recordações de quando você era a garota dourada, que não dizia nem que sim nem não. Lágrimas (e chuva) com Kid Abelha; lágrimas (no escuro) com Lobão. Ai daqueles que não sentirem uma dorzinha boa ao recordar uma época. Ai de nós se não tivermos essa saudade desta época de gosto duvidoso.

20 de julho de 2009

Irreversível


"O que é demais nunca é o bastante, e a primeira vez é sempre a última chance". Ok, eu sei que Legião é auto-ajuda tanto quanto vocês sabem que pouco me importo com tal fato. A verdade é que todos os lugares-comuns têm um fundo de cidade. Bom pensar na chance única dos fatos e feitos para não esperar pelo incerto. Decerto, nem se sabe se o amanhã virá, ou se ele será propício a vivências que nos parecem importantes hoje. Talvez não reflitamos muito sobre esse valor aqui-e-agora de atitudes e principalmente de pessoas. Ao contrário, descartamo-nas sem bem nos darmos conta de quão feio pode nos aparentar esse ato quase involuntário. Descartáveis de acordo com nossa fases/objetivos/intenções, as criaturas vão e vêm como num jogo de cartas marcadas, que podem se perder pela manga ou no cantinho da mesa. Triste observar como todos fazemos esse mesmo jogo, um totó com bonecos de tinta descascada, a sinuca da periferia da cidadela de interior. Somos peças, ativas ou passivas, mas sempre manipuláveis e manipulantes. Não há de se assustar. Apavora é a ideia do irreversível. E se fizemos a jogada errada? E se o blefe não deu certo? Cartas na mesa, jogo feito. Não voltam as peças a dançar conforme nossa música. Jamais terão aquele brilho no bailar das nossas tramas, do nosso bel-prazer. E como poderíamos tê-las feito ganhar...Deixamos passar, pois. Se não as teremos como antes, ao menos façamos delas mais do que pedras de um dominó ímpar, quando poderemos sentir falta de partidas mais dignas que não acontecerão.

6 de julho de 2009

Terapia do porquê

Lições de gramática não seriam tão desinteressantes quanto falar de porquês, sabe-se, mas a ideia aqui não é explicar por que eles devem ter acento, separar-se ou outros diferenciais. O desejo é mais simplório: entender e respeitar essa bela união da preposição com o conectivo, tão banalizada na vida normal quanto na norma gramatical. O porquê significa motivo, é a razão de se efetuar algum ato, o basicão start para se tomar atitudes. Todavia costumamos esquecer desse detalhe literal e puro, que deveria ser a base para nossas ações. Como em tantos outros atos de teimosia, deslumbramento ou estupidez mesmo, preferimos o por que não? ao esperado por quê? Agimos como fôssemos levado pela primeira onda que surge no mar de tédio; se a vida está inerte, por que não aceitar essa ou aquela proposta? Por que não topar os programas mais ou menos que nos sugerem? Na verdade, sequer paramos para refletir se temos vontade de agir de tal forma, se algo nos impulsiona, se aquilo vai nos acrescentar algo. É o tal do porquê negligenciado, desprezadinho - o pobre - por trás de um bando de coisas sem noção, sem graça e principalmente sem sentido. E é fácil reconhecer quão idiotas somos nesse quesito motivo. Quem de nós faz a perguntinha "há razão que justifique?" intimamente diante de convites, ideias e atos malassombrados que nos venham à tona? Ao contrário, nos apegamos a qualquer coisa que vá nos levando do suposto marasmo de nossa vida chatinha. Parece que nem temos razão de viver, objetivos, estímulos e sonhos. Lesmas que dormem e acordam, locomovendo-se à sorte do que vier pelo caminho. Nem tudo está perdido, no entanto. A Terapia do Porquê existe para nos salvar dessa lama de joselitice, da triste passividade de não agir racionalmente. Tratemos desse mal abusando do porquê. Perguntemos, a cada simples ato, se existe algum motivo para tal ação. Façamos programas que nos interessem de algum modo, seja mesmo o mais banal; aceitemos o que seja bom para nós, o que faça sentido. Talvez tenhamos menos do que reclamar. Menos calorias ingeridas sem fome; menos ressaca sem vontade; menos relacionamentos frustrados. Com certo tempo de adestramento, já nem achamos graça no que antes pareceria intrigante. Incrível como nos faz economizar suor, saliva e sarna pra coçar. Mais do que nos preocuparmos com acentuação e grafia, vamos dar valor ao verdadeiro sentido do porquê, esse bonitinho que só quer a merecida atenção.