29 de novembro de 2009

Morrer pouco


Melhor vista não há do que a do horizonte. Para o alto e avante, para frente e adiante. Sem nuvens para distorcer o porvir tão certeiro quanto misterioso. Quando faltam objetivos, não há além. Nem mistério, nem horizonte, nem qualquer coisa que se possa esperar. Igualmente triste é a certeza do futuro, que, de tão burra, é absurdamente tediosa. Saborear o desconhecido é divino quanto mais iluminado seja o caminho, quanto mais firmes sejam os passos. O Retorno de Saturno, para a astrologia, é quando realmente a vida passa a fazer sentido, e todo o drama antigo parece tolo e pequeno. De fato, amadurecer nada tem de chato, como parecia em tempos outros. Sentir, a cada dia, uma parte nova de plenitude em si é como preencher com um pouco mais de sentido o quebra-cabeça da existência. E, no meio dessa divisão de águas que chega com um número ímpar, mas tão doce na letra de Renato Russo, tão decisivo numa escala finda dos vinte e poucos anos, o que é realmente bom parece ficar mais perto. As bobagens ficam mais bobas; o paladar da alma, mais exigente. E é o gosto de vida que faz salivar. Conversávamos sobre a teoria de certo intelectual sobre morrer pouco. Para ele, quanto mais intensidade se imprime a vida, morre-se menos chegada a hora do túmulo. É como fôssemos nos realizando, transcendendo, ainda no corpo, tornando-nos tão leves que não seria sofrido sucumbir, findos os dias. Disse que sou dessas, de morrer pouco. Se é assim, de intensidade, verdade, calor, quero morrer menos a partir de então. Viver tanto que o caminhar vai ser doce, o envelhecer simples e o morrer pouco.