26 de novembro de 2010

É 8 ou 80

É porque a coluna do meio sempre me angustiou. Ou pela agonia de ver minha mãe sempre partir o remédio na metade, contrariando a bula. Sei lá se também tem a ver com a mania de números pares. O fato é que o Seu Lunga que há em mim estimula a característia 8 ou 80. Aquela que chamam radical. Ou dramática. Ou impulsiva. Tem suas desvantagens ser prática. Deixamos de apreciar algumas nuances entre as dezenas que dão nome a essa expressão que qualifica as pessoas mais peif-bufs. Por outro lado, essa história de ficar sempre no mais ou menos, no não sei e no quase lá geralmente tende a ser atraso de vida. Inseguranças, dúvidas, angústias intermináveis ou mesmo demasiado uso da expressão "veja bem" definitivamente me dão a sensação de perda, ou melhor, desperdício de tempo, de palavras e de emoções. Tão melhor dar logo a real, desprezar as meias palavras e evitar enrolações, não? Claro que esse perfil de gente pode assustar, principalmente pelas escolhas sentenciais. Feito o avô de um certo carinha, conhecido, na infância, como Pedro Doido. O velho tava descendo a ladeira, no carro, com o neto, quando descobriu que o freio não funcionava. Não teve dúvidas: acelerou. "Vô, tá acelerando por quê (mô véi, teria dito ele se o fato ocorresse nestes nossos tempos)?". "Ah, Pedrinho, porque desgraça só presta muita". E é mermo. Antes um pé na tábua do que um pé na bunda, na cova ou no meio de qualquer coisa.

17 de novembro de 2010

Homem-preá: pega, mata e come

Era um papo ameno, daqueles de hora do almoço, mas a mesa se calou diante da revelação que se dera por meio de conversa paralela na ponta esquerda. "Pois eu já matei, tratei e comi um preá na infância". Teria sido mais uma história de pescador (ou de caçador), não fosse o tom despretensioso do rapaz. As moçoilas logo se interessaram pela história, e, ao final, conferiram-no o diploma de macho. Os outros riram, e até contaram causos parecidos, mas o fato que não compreendem é como a macheza se configura sutil. Ao contrário do que pensam alguns aspirantes a homem com H, a maiúscula não está em ferramentas físicas (que - algumas vezes - deve frustrá-los tanto que tentam se valer de outros valores...que raramente possuem também. Vide post futuro sobre "o fino" da bossa). Cafucices dignas mesmo são essas coisas que só homens teriam coragem de fazer, e o fazem naturalmente, sem querer forçar ou impressionar. Algumas malvadezinhas na infância, aventuras no melhor estilo Indiana Jones, histórias do Quartel, bobagens risíveis que contam entre amigos. Pena que, na tentativa de parecerem o Macho Alfa, muitos espécimes forçam um ar de machão ou com atitudes grosseiras ou nos comentários machistas ou simplesmente arrotando aos gorilas afins o quanto são bons de cama e quantas mulheres eles podem pegar. Coincidentemente, os melhores exemplares - em todos os sentidos - são Hs de nascença, de dignidade e de sabedoria. Esses não precisam provar, postar fotos com mulheres e bonecas infálveis para dar satisfação à sociedade de sua capacidade de conquistar (e manter!) alguém. Os outros riem de lado, e voltam à sua vida de verdade. As mulheres "true" agradecem.  

9 de novembro de 2010

Ele(s) e a(s) periguete(s)

Mal se acaba de rir do gosto de um amigo pelo que chamamos de xamboqueiras - vulgo carne que quinta, sem relações com classes sociais, cor de pele ou clafissificações do tipo, please  - observa-se, no ciberespaço (sempre ele, maldito!), mais um episódio da novela Eu gosto mesmo é de periguete. O galã?(????): criatura amigável reprodutora do discurso "Não priorizo o sexo, pois já tive relações fracassadas baseadas nisso. Quero mesmo conhecer a pessoa primeiro". A moçoila? Periguete das boas, no melhor estilo "faz de conta que sou pra casar". Pois, pois. Assim como o rio corre pro mar, a vaca pro brejo e o arroz pro feijão, os rapazes interessados na pureza feminina - para contrabalançar sua safadeza pesada, claro - sempre acabam descambando para as periguetes. E é incrível como acreditam ter encontrado a virgem imaculada ou ente afim. Somente após uma penca de galhas, chega a dor da (quase) realidade, afinal, ele ainda terá certeza de que a culpa foi dele. Pobres galãs, que acreditam estar fazendo as escolhas certas, ao desprezarem essas meninas modernosas  - que só pensam em sexo, vejam só! -  para dar vez às periguetes com asas de anjo e fogo na bacurinha. Mas santa mesmo é a ignorância! E que se divirtam com a música de Chico Buarque:

Sob medida

Se você crê em Deus
Erga as mão para os céus
E agradeça
Quando me cobiçou
Sem querer acertou
Na cabeça
Eu sou sua alma gêmea
Sou sua fêmea
Seu par, sua irmã
Eu sou seu incesto
Sou igual a você
Eu nasci pra você
Eu não presto
Eu não presto
Traiçoeira e vulgar
Sou sem nome e sem lar
Sou aquela
Eu sou filha da rua
Eu sou cria da sua costela
Sou bandida
Sou solta na vida
E sob medida
Pros carinhos seus
Meu amigo
Se ajeite comigo
E dê graças a Deus
Se você crê em Deus
Encaminhe pros céus
Uma prece
E agradeça ao Senhor
Você tem o amor que merece

7 de novembro de 2010

Ambiciosa


Para aqueles fantasmas que passaram,
Vagabundos a quem jurei amar,
Nunca os meus braços lânguidos traçaram
O vôo dum gesto para os alcançar...

Se as minhas mãos em garra se cravaram
Sobre um amor em sangue a palpitar...
- Quantas panteras bárbaras mataram
Só pelo raro gosto de matar!

Minha alma é como a pedra funerária
Erguida na montanha solitária
Interrogando a vibração dos céus!

O amor dum homem? - Terra tão pisada!
Gota de chuva ao vento baloiçada...
Um homem? - Quando eu sonho o amor dum deus!...

(Florbela Espanca)

1 de novembro de 2010

A gente acaba perdendo o que já conquistou

É triste mesmo assim. Comemora-se vitória política significativa e indispensável à evolução de uma nação e, ao mesmo tempo, chora-se pelos que ficaram no caminho. Não os que foram com os anéis, mas aqueles que escorreram por entre os dedos. Por mais que os ânimos estivessem acirrados, quando dos momentos de discussões construtivas acerca de porquês e destinos que permeiam um povo historicamente oprimido - e que, aos poucos, tem conseguido se libertar das velhas correntes físicas e ideológicas -, muito podia ter sido calado. O fato é que não se trata de opiniões distintas sobre gostos, músicas preferidas, times de futebol. São os mais sinceros valores que se mostram em momentos decisivos. E, por mais que se respeitem as diferenças, alguns laços - talvez frágeis desde o início, mas disfarçados por cores cintilantes - se rompem efetivamente. Murros na mesa, frases grosseiras, provocações no ciberespaço...tudo muito feio. Como voltar à mesma mesa com ela? Ou encarar as sessões de cinema ao lado dele? Velhos amigos, de muitos anos atrás...Mas vale tudo pelo ideário político? Ou vale tudo pela amizade consolidada? Penso que temos de refletir sobre nossas posturas sim...mas, por outro lado, é relevante observar os discursos reproduzidos por aqueles que, por amarmos, parecem-nos semelhantes. Talvez o problema esteja aí: procuramos as semelhanças e fechamos os olhos para as diferenças. Essas construções costumam ruir em situações-limite. Mas as fotos não as rasguemos. Calibremos, portanto, nossos limites. Ampliemos a faixa da nossa tolerância. Ou sejamos apenas menos amigos do nosso orgulho ferido.