25 de junho de 2010

Mundo cão

Horas existem em que dá vontade de esquecer princípios, religião, lucidez, ponderação, justiça. Essa última, de tão abstrata, então, nem serve mais de vapor no sonho. Ô mundinho cão! Quem se esforça em fazer o que é certo parece valer (bem) menos do que o que mente, maltrata, agride. E o algoz capaz de rir por último. Com aplausos dos responsáveis pela justiça humana, se brincar. Incrível como chega a ser difícil falar para si mesmo do que tarda, mas não falha, do que Deus tá vendo, do que ninguém escapa. Diante de tanta maldade, violência, hipocrisia, cinismo e falta de escrúpulos, como preservar o que há de bom? Como proteger os que vêm? E deixar tranquilos os que vão? Fé é o que resta. E, mesmo assim, não é resto. É como se diz: madeira-de-lei que cupim não roi, quem espera sempre alcança, a verdade sempre aparece. Apegar-se aos provérbios e torná-los mantras. Talvez se façam luz mediante repetição. 

22 de junho de 2010

Sopa de letrinhas

Eram seis. Feito aquela novela. A com B, C com D e E com F. Amigos na mesma mesa do bar de sempre, anos atrás (poucos). Depois D apaixonou-se por A, que, pela amizade com C e pelos resquícios de amor a B, recuou. Mas a combinação tinha de se fazer um dia, e se fez. Em seguida, C se resolveu com F. Verdade que E ficou solteira. E o tal do B também. Não necessariamente sós. Mas o legal de toda a sopa de letrinhas foi o beabá de D com A. Casaram. Mudaram-se. Não chegam a ser Eduardo e Mônica. Nem Romeu e Julieta. Mas são dos poucos exemplos de sílaba tônica. Ou preposição + artigo. Definido, sempre. Dia desses, de volta aos cenários de alfabetos passados, mostram por que aprenderam o abecê. E a gente compra a cartilha. Pra um dia saber escrever.    

16 de junho de 2010

Chuva e fogo

Apagar fogo. Taí uma função muito digna da chuva, que insiste em inundar os planos do Recife nos últimos dias. É certo que os pingos molhadores de barra de calça, bolsa de pano e lente de óculos portam-se de maneira incoveniente na maioria das vezes. Atrasos no trabalho. Bagaceira no trânsito. Menos fogos no jogo do Brasil. Nem aquela desculpinha pra ficar em casa sob cobertas, comendo besteira e vendo filminhos serve muito. Até porque o sinal da TV complica, a energia cai e o peso aumenta. No entanto, descobriu-se muito recentemente esta ótima artimanha da chuva de meu Deus: apaga um fogo que é uma beleza! E não é só fogo queimado, nem fogo de fogueira. Vão-se, pelas galerias entupidas da cidade, planos maliciosos, desejos projetados e pedaços de imaginação impublicáveis. Assim que começa a trepidar, provocado por faíscas de sugestão, a chuva abafa o pensamento, posto que é chama. E é por bem pouco que essa tromba d'água não muda a resposta daquilo que cai em pé e corre deitado. Chuá.

14 de junho de 2010

Lettera

Era para ser sobre futuro. Mas quem poderia prever algo além do aqui e agora? Pôs-se, então, a rabiscar sobre o que já se fora, mas acabou jogando fora meia dúzia de papéis de pauta borrada. Embora a mão suasse e tremesse um tanto, escreveu sobre o que se passava naquele exato momento. Fôlego e água, por favor. Muita verdade de uma só vez. Melhor apagar...e se alguém visse? Não, deixa. Já eram duas páginas mesmo. E três horas. E um calor. A cabeça pesava, mas o peito se abria. Bom aquilo. Não poupou vocabulário; disse tudo. E sublinhou, até, os trechos mais íntimos. Ao ponto final, acrescentou duas lágrimas. Depois foram mais. E dobrou os papéis, apertando-os, em seguida, contra ao peito, como nas mais clássicas cenas de novela. Não enviaria. Verdade é bom, mas doi. Melhor prender-se àquele futuro não descritível ou recordar o passado dolorido. Guardou o envelope naquele livro de poemas, que um dia poderia chegar, por acidente, àquelas mãos. Bem cafona assim, como vambora, na cinza das horas. E o livro nunca sairia daquela estante. E esse nunca também valeria para a carta, o presente. Esqueceu-se também da verdade. De tanto esconder.       

12 de junho de 2010

Feliz Dia dos Nãomorados Ano IV


Desta vez é diferente. Não porque ser solteiro é bom; apenas não é ruim. Não porque a ausência de companhia é a perfeição; apenas é verdadeira. Não que namorado seja péssimo; apenas deve existir em algum lugar que não aqui e num tempo que não é hoje. Deixemos de lado a ode ao momento conveniente. Se acompanhado, é a pessoa mais feliz do mundo; se solteiro, é a maior curtição. Preocupar-se em traduzir em felicidade o que se passa talvez seja o erro. Erro também estar solteiro ou comprometido por algum motivo que não seja honesto. Amar é honesto. Não se forçar a amar o conveniente o é igualmente. Enquanto o status de relacionamento for importante felicitômetro, continuarão as decepções, os namoros mornos, a inquietude, a solteirice desvirtuada, a badalação com direito a vazio-day-after... Conhecer, assumir e respeitar o que se sente talvez seja o resumo do manual. Calibremos, portanto, os instrumentos de aferição da felicidade sem o peso do estado civil. Nada mais triste do que estar com um namorado para cumprir tabela; ou estar solteiro pela variedade de opções no menu. Quando entendemos que relacionamento significa companheirismo, afinidade, tesão e compromisso, lembremo-nos também do caráter transcedental da união, ou da solidão saudável. Se, ao fecharmos os olhos, experimentamos a sensação de integralidade e conexão cósmica, estejamos envolvidos ou não com alguém, comemoremos. Afinal, com aliança ou só consigo, a ordem é ser livre para escolher.